Era muito magra e curta, a Senhora Coisinha. Acabava logo ali, pela anca dos outros, o que era francamente caricato, tendo em conta que a Senhora Coisinha batia frequentemente com a cabeça nas nádegas ampliadas das outras mulheres ou nos gigantones órgãos masculinos, que se atarantavam a seguir, de cabeça no ar. Por estas e outras razões, a presença da Senhora Coisinha, ainda que quase insignificante, era muito incomodativa e tão indesejada como a de um inseto: aparecia em sítios e ocasiões inesperadas e as pessoas, por vezes, assustavam-se, ainda que fossem muito maiores do que ela.
A Senhora Coisinha não era anã. Sabemos isto porque as suas pernas e a sua cabeça eram proporcionais ao resto do corpo. Também não era uma criança nem uma jovem franzina, nada disso. A Senhora Coisinha era uma senhora para os seus 55 anos, vá, e tinha mamas, vagina e útero como as outras mulheres, embora em menor dimensão, proporcionais ao resto do corpo. A Senhora Coisinha era, aliás, atraente quando vista ao perto através de um monóculo especializado ou de uma lupa e não tinha quaisquer complexos por ser tão pequenina. Por exemplo, se fosse preciso saltar para chegar a um balcão, ela saltava. Se fosse preciso gritar para a ouvirem, ela gritava. Se fosse preciso subir a um banco para ver um concerto, ela subia. Sem qualquer problema. A Senhora Coisinha era, portanto, uma pessoa prática e esforçada, vislumbrava em cada desafio uma oportunidade. Em dias promissores, que eram muitos, chegava até a sentir que a sua pequenez era a sua maior grandeza, porque valia tanto como as restantes pessoas perante a lei e a moral, mas era pequena o suficiente para ver os pormenores. E isso, no entender da Senhora Coisinha, era uma mais valia, um grande privilégio, um recurso preciosíssimo, diga-se, porque os pormenores, pensava a Senhora Coisinha, eram mais importantes do que o todo.
No entanto, as outras pessoas, que eram colossais e meio cegas como ciclopes, não estavam de acordo. O todo era fundamental, o horizonte era fundamental, assim como o contexto, o panorama, a macroeconomia, a sociedade. Por causa disso, os encontros com a Senhora Coisinha na farmácia ou no supermercado estragavam-lhes o dia. Eram minudências desnecessárias que as distraíam da visão geral.
Mas a verdade verdadinha é que as pessoas grandes se sentiam ridículas ao pé da Senhora Coisinha. Estavam constantemente a dar-lhe empurrões e pisadelas porque não a viam no seu caminho. Contudo, porque estavam em maioria, apontavam os seus dedos gordos na direção da Senhora Coisinha e riam-se.
O riso das pessoas grandes fazia imenso barulho, mas a Senhora Coisinha estava-se nas tintas. Fazia as suas comprinhas minúsculas e seguia em frente, concentrada como uma formiga. Pensava: Ainda hei de rir melhor. E acreditava nisso, ainda haveria de rir melhor.
Infelizmente, nunca chegou a rir melhor, porque certa manhã de luz amena, um homem maljeitoso sentou-se num banco de jardim e matou a Senhora Coisinha, que estava descansadamente a ler um livro pequenino. Era um acidente evitável, lamentável, lastimável, diziam as pessoas grandes, que gostavam de falar a rimar. Depois, cavaram um pequeno buraco no jardim e atiraram a Senhora Coisinha lá para dentro. A seguir lavaram as mãos, porque eram muito asseadas.
Nunca mais ninguém falou da Senhora Coisinha e, de repente, era como se a Senhora Coisinha nunca tivesse existido, para o bem da visão geral, da sociedade, da macroeconomia.
Mas tinha existido, a Senhora Coisinha. Existia ainda, existiria sempre. Continuava na memória das pessoas grandes, incomodativa como um inseto, como um pormenor.
E as pilas dos homens grandes nunca mais foram as mesmas.