Chove tanto fora da cabeça que nem dá para ouvir os pensamentos que correm dentro, o que não é uma coisa nada má, pelo contrário, porque os meus pensamentos – já de si pobres de espírito – em dias de junho com chuva têm um certo Q de dilúvio e eu não gosto nada de pensamentos torrentosos, blargh. Portanto, olha, chove para aí um lago ou um rio, a ver se eu me ralo. No final do dia, passo aí a ver se dá para pescar uma sardinha assada, por exemplo, mas até nem faço questão, porque as espinhas às vezes ficam encravadas no esófago e uma pessoa fica com os olhos vermelhos, farta-se de tossir, é horrível. Se bem me lembro, eu não gosto nada de ir aos Santos. Está sempre montes de gente expansiva nas ruas, não dá para ouvir o telemóvel, é uma confusão. E, se me distraio, vou de sandalinhas e ainda me arrisco a cortar o dedo grande num vidro ou assim. Nah, é muito melhor estar aqui. A trovejar dentro da cabeça sem sentimentos nem nada, só trovões e chuvinha boa para lavar as ruas. Pelo menos, olha, sempre poupo uma tempestade num copo de água. E não fico a choramingar do cérebro como os outros emigrantes, que se estão sempre a queixar do tempo, todos manjericos. Eu não. Eu gosto.
Chuvinha boa para lavar as ruas.
Não sou nenhum peixe fora de água aqui. Não sou. É que não sou. Não sou mesmo.
Juro.
Pá, agora a sério: não sou.