Deitou-se agora mesmo no sofá. Desdobrou a mantinha preta que estava muito bem dobrada no outro lado do sofá. E cobre-se. Não conseguimos ver a sala inteira daqui, só um pedaço de sala. Primeiro a janela. Depois as plantas.
Dois caules de orquídeas sem orquídeas.
Vasos de várias cores. Molduras ao contrário. Não sabemos o que mostram. Uma escrivaninha do lado esquerdo da sala, um ecrã de computador que parece outra janela por ser tão grande. O sofá à direita. A rapariga está deitada, mas não dorme. Uma mesinha quadrada e branca, talvez do IKEA, provavelmente do IKEA. Envelopes, revistas, cartas, postais, comandos, jornais, canetas, tantas coisas em cima da mesinha quadrada e branca. A rapariga tem um livro na mão, não tínhamos dado por isso. Está a ler. Estica neste preciso momento os braços para cima, não parece estar uma posição confortável.
O livro pesa sobre ela como uma rocha. É um livro robusto. A rapariga está a meio do livro.
Atrás do sofá, uma mesa de jantar sem centro de mesa, quatro cadeiras arrumadíssimas, um candeeiro por cima, quadros coloridos nas paredes. Um desenho abstracto com formas geométricas, uma menina com os pés muitos juntos e as mãos muito juntas, outros quadros imperceptíveis. É o que vemos através da janela.
A trepadeira do parapeito está cada vez maior. Há poucas semanas tinha só uma perninha, agora já tem várias.
As coisas crescem sem fazer barulho. É o que se pode concluir.
Estamos neste silêncio e as plantas crescem, o dia cresce, a rapariga cresce e o livro é cada vez mais pesado, cada vez maior.
Dois caules de orquídeas sem orquídeas. Há tanto tempo sem orquídeas. Um projecto de orquídeas dentro do vaso à janela. E, no entanto, este silêncio. Talvez um relógio de parede a contar os segundos, talvez o computador cogitando, mas nada mais.
Tantas cores na sala. Cortinas amarelas. Almofadas com flores, almofadas com riscas, um tapete vermelho. Porquê uma manta preta? Por que se cobre a rapariga com uma manta preta? Uma rapariga sempre tão calada, crescendo em silêncio, cada vez maior.
O livro enorme, cada vez pesado, igual a uma rocha.