Há aqui um tipo na unidade de tradução inglesa que é parecido com o valter hugo mãe. Não, não é parecido com o valter hugo mãe, mas tem o mesmo ar direitinho, uma calvície precoce como o Outono em Bruxelas, uns óculos de massa em cima de sobrancelhas espessas, que são duas centopeias à espera de larvas, uma testa enorme, de alguém que pensa sobre o sentido da vida e lê livros complicadíssimos. Nunca falei com o tipo da unidade de tradução inglesa, mas encontro-o muitas vezes nos corredores e na cafetaria. Nunca lhe digo bom dia nem boa tarde, não sei bem porquê. O tipo da unidade de tradução inglesa não é propriamente simpático, também não diz bom dia nem boa tarde. Ri-se pouco. Ora, hoje encontrei o tipo da unidade de tradução inglesa no elevador. Vinha com um cachecol pendurado no braço e com uns auscultadores nos ouvidos. Nenhum de nós disse nada durante a viagem. No entanto, tive vontade de dizer qualquer coisa, de fazer uma pergunta. Gostaria de saber, por exemplo, que música ouve o tipo da unidade de tradução inglesa. De que quadros gosta. Que livros lê. Gostaria também de dizer ao tipo da unidade de tradução inglesa que li a máquina de fazer espanhóis em três tempos e que eu não costumo ler livros em três tempos, que sou uma leitora muito vagarosa. Gostaria de dizer ao tipo da unidade de tradução inglesa que o valter hugo mãe não é um homem velho mas que podia muito bem ser um homem velho. Por causa da calvície precoce. E da sua escrita de gente velha. Como é possível um homem novo ser um homem tão velho?
Agrada-me a ideia de que há alguém parecido com o valter hugo mãe no meu local de trabalho. Gosto imenso de trabalhar num edifício, onde vejo de vez em quando uma pessoa parecida com o valter hugo mãe. O dia parece-me logo outro.
De resto, estou-me verdadeiramente nas tintas para o tipo da unidade de tradução inglesa.