Acabaram-se-me as pastilhas elásticas. Detesto quando isto acontece, sinto-me carente. Como se me faltasse o mimo ou o ânimo ou água ou coisa que o valha. Adoro pastilhas elásticas: entretêm-me a boca e ajudam-me a marcar o compasso das horas. Na falta de pastilhas elásticas, ponho-me a chuchar no dedo ou a tirar macaquinhos do nariz ou a roer as unhas, o que é extremamente deselegante. Há quem considere mais deselegante mascar pastilhas elásticas, principalmente quando a pessoa em causa faz barulho ou gira a boca como um animal ruminante. Não sei se faço barulho ou se giro a boca como um animal ruminante, nunca reparei. Gosto de fazer balões e de espalmar as pastilhas no céu-da-boca como se fossem massa ou plasticina. Costumo ter uns dois ou três pacotes de pastilhas no gabinete. Para variar de sabor. Na verdade, não são bem pacotes, mas sim caixotes de pastilhas. Este último caixote da Mentos, por exemplo, tinha quarenta e cinco "soft cubes". O caixote tinha a forma de um cubo e as pastilhas também. Gosto das pastilhas Mentos. Um caixotinho de pastilhas dá-me para imenso tempo, porque vou debicando de vários. No entanto, nestas últimas semanas distraí-me e agora acabaram-se-me as pastilhas de repente. Costumo comer entre uma e três pastilhas por dia. Felizmente tenho bons dentes. Pelo menos é o que diz o meu dentista, que tem ar de menino bom por causa da tez muito fina e do sorriso ebúrneo. O meu dentista seria incapaz de mentir. Até há bem pouco tempo só comia pastilhas de mentol. Não gostava do sabor das outras, tudo me parecia artificial e nenhuma pastilha me deixava na boca a mesma sensação de frescura. Gosto da sensação de frescura. Ao contrário do que possam estar a pensar, não masco pastilhas para lavar os dentes. Tenho o hábito de lavar os dentes várias vezes por dia, porque também gosto da sensação de frescura das pastas de dentes. Hoje em dia, como tudo o que é pastilha, gosto de variar. Alcancei uma certa maturidade no que diz respeito a pastilhas elásticas. Quando era miúda as minhas pastilhas preferidas eram as Gorila. Gostava do formato do paralelepípedo, do invólucro de papel, do som do papel a rasgar, da textura macia dos desenhos que vinham por dentro. Ficava com dores nos maxilares porque as pastilhas Gorila eram grandes e duras de roer. Mas não havia nada na vida como as pastilhas Gorila. Era um prazer ficar com dores nos maxilares. Depois vieram as pastilhas do gelado Epá. Era difícil dominar aquelas bolas enormes. Como todos os outros miúdos, comia o gelado Epá por causa da pastilha e não por causa do gelado. Tudo isto se passou depois da pré-primária. Lembro-me muitas vezes da pré-primária. Tinha quatro ou cinco anos, não mais. A minha melhor amiga chamava-se Diana, eu gostava muito da Diana. Andávamos de bata azul e de chapéu vermelho, lembro-me disso. Ríamo-nos muito, ainda me lembro das gargalhadas efusivas da Diana. A Diana tinha os dentes podres e muito tortos por causa da chucha, segundo consta. Certa vez enquanto esperávamos que as nossas mães nos viessem buscar à escola, pintámos os lábios com um batom vermelho e demos um beijo na boca. Éramos crianças como as outras, acho, e, como todas as outras crianças, não podíamos comer pastilhas elásticas. Eu e a Diana tínhamos uma frustração enorme por não podermos comer pastilhas elásticas. Falávamos disso, de como era injusto não podermos comer pastilhas elásticas. Até que uma de nós teve uma ideia fantástica, que era tão legítima como a de pintar os lábios de vermelho e dar um beijo na boca. Essa ideia consistia no seguinte: Por que não comer as pastilhas que os outros deitavam para o chão? Era uma ideia tão simples e, no entanto, genial. Ficámos tão entusiasmadas com a nossa descoberta que passávamos, provavelmente, horas à procura de pastilhas. Recuperávamos as pastilhas abandonadas no asfalto ou esmagadas nos bancos da escola, nas portas da casa de banho, nos ferros dos baloiços, nas balizas do campo de futebol, nas mesas do refeitório. Havia pastilhas elásticas por todo o lado, era uma excitação. Guardávamos as pastilhas nos bolsos das batas, não contávamos a ninguém. Como éramos extremamente limpas, lavávamos as pastilhas antes de as metermos à boca. Algumas dessas pastilhas vinham em forma de bola, outras vinham muito prensadas. Umas eram duras, outras rugosas por trazerem pedrinhas ou areia dentro. Havia pastilhas amarelas, verdes, cor-de-rosa, brancas, azúis. Mascávamos as pastilhas pacientemente. Trocávamos sorrisos misteriosos enquanto o fazíamos, não dizíamos nada. Depois, quando a massa ficava mole, engolíamos as pastilhas recuperadas. Tínhamos quatro ou cinco anos, não mais. Nessa altura já sabíamos que aquelas pastilhas elásticas vinham de outras bocas, mas isso não nos chocava. Lembro-me tantas vezes disto.
Não sei o que é feito da Diana.