Brevemente neste blogue, um dos três desejos.
Uma história. Uma personagem. Um discurso diarístico.
Estes eram os três desejos do narrador que, apesar de minúsculo, comia Kinder Surpresa como gente grande. Os desejos eram também maiores do que ele próprio, como certos sonhos de infância. Queria, urgentemente, uma história, uma personagem, um discurso diarístico. Na verdade, queria qualquer coisa que não aquele silêncio. Urgentemente.
Estes eram os três desejos do narrador que, apesar de minúsculo, comia Kinder Surpresa como gente grande. Os desejos eram também maiores do que ele próprio, como certos sonhos de infância. Queria, urgentemente, uma história, uma personagem, um discurso diarístico. Na verdade, queria qualquer coisa que não aquele silêncio. Urgentemente.
Nos tempos livres, o narrador costumava brincar com as retroexcavadoras cor-de-laranja que descobria dentro dos ovinhos, mas ultimamente só tem comido o ovo de chocolate e deita fora os brinquedos.
O autor é mais maduro do que o narrador. Além de nada desejar, veste uma misteriosa gabardina preta para o proteger da chuva, do vento e dos outros. Comporta-se, aliás, como os gatos: senta-se contemplativo no parapeito da janela, mas o narrador não tem a certeza se o autor contempla alguma coisa, porque não mexe a cabeça nem as orelhas nem os olhos nem as patas. Ninguém contempla imóvel.
O autor é mais maduro do que o narrador. Além de nada desejar, veste uma misteriosa gabardina preta para o proteger da chuva, do vento e dos outros. Comporta-se, aliás, como os gatos: senta-se contemplativo no parapeito da janela, mas o narrador não tem a certeza se o autor contempla alguma coisa, porque não mexe a cabeça nem as orelhas nem os olhos nem as patas. Ninguém contempla imóvel.
Era a opinião do narrador. À falta de metafísica naquela casa, come chocolates, mas não brinca. Tem três desejos mais fortes do que ele próprio.
Diz em voz alta: Uma história. Uma personagem. Um discurso diarístico.
Repete: Uma história. Uma personagem. Um discurso diarístico.
Depois grita, chora, esperneia.
O autor está virado para a janela, por isso não lhe vemos o rosto. Está tão quieto que mais parece uma estátua. Há quatro semanas que não se mexe (na verdade, o narrador tem medo que o autor tenha morrido à janela).
Por vezes, aproxima-se devagar do parapeito, põe-se em bicos dos pés para tocar na cauda longuíssima do autor, mas depois arrepende-se. Regressa ao seu cantinho, mais pequeno do que antes.
O autor está virado para a janela, por isso não lhe vemos o rosto. Está tão quieto que mais parece uma estátua. Há quatro semanas que não se mexe (na verdade, o narrador tem medo que o autor tenha morrido à janela).
Por vezes, aproxima-se devagar do parapeito, põe-se em bicos dos pés para tocar na cauda longuíssima do autor, mas depois arrepende-se. Regressa ao seu cantinho, mais pequeno do que antes.
Hoje, no entanto, pela hora de almoço, algo acontece:
Belgavista é nome de peixe.
Belgavista é nome de peixe.
É o que diz, de repente, o autor. Depois salta para o chão e começa a lamber as próprias patas. É previsível que, além da vontade de escrever, tenha uma pontinha de fome. Daí a alucinação.
O narrador dá um pulo de contente, mas continua a comer chocolate. Na sua modesta opinião, Belgavista não é nome de peixe.
Mas isso, agora, pouco importa.