- Leva-me àquele outro lugar.
[A frase é um pedido e não uma ordem.]
- Qual outro lugar?
- Àquele outro lugar, anterior a este.
- Anterior a este?!
- Sim, anterior a este.
- Como assim?
- Àquele lugar que não este.
[Dá-se um silêncio curto, arrependido, disfarçado.]
- Um lugar longe daqui?
- Longínquo.
- Mais a Sul?
- Não.
- Mais a Norte?
- Não.
- Então?
- Mais antigo, mais para dentro.
- Um espaço no tempo?
- Sim, um espaço no tempo.
[Abre-se entre os dois uma polegada de tempo e uma formiga passa. No chão há um cigarro meio posto.]
- Queres ir para o passado?!
- Não, não. Quero ir para àquele outro lugar.
- Que lugar?
- O lugar real.
- Esse lugar existe?
- Existe.
- É físico? Material?
- Sim, claro.
- E onde fica?
- Não sei. No tempo.
- Não há lugares no tempo.
- Não?!
- Não. Só há lugares no espaço.
- Então fica no espaço.
- Em qual espaço?
- Num espaço anterior a este.
- Não há espaços anteriores. Uma coisa é o espaço, outra coisa é o tempo. Os lugares ficam quietos no espaço.
- Então leva-me lá.
- Aonde?
- A esse lugar.
- Tens de me dizer onde fica.
- Fica no espaço.
- E onde especificamente? Preciso de coordenadas.
- Fica para trás, sempre para trás.
- Atrás de quê?
- De tudo.
[Os dois regressam a lugares atrás de tudo: não sabem nada, não querem nada, respiram.]
- E se não existir?
- Se não existir?!
- Sim, se esse lugar não existir.
[Os olhos dela encontram o vácuo. São vagos, vadios, vazios.]
- Podemos não encontrar esse lugar.
- Podemos?!
- Podemos.
- Nesse caso, não sei.
- Não sabes o quê?
- Não sei de mim.
- Não sabes de ti?!
- Não, não sei... Nem de ti.
- Não sabes de mim?!
- Não.
- Nesse caso, estamos perdidos.
[Partem juntos. À procura deles próprios.]