quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Vontade

Em dias como aquele, tinha vontade de não ser. A frase saiu-lhe quase espontânea, não fosse o olhar assumido de coisa pensada. Explicou: não propriamente de morrer, que nunca fora de desistir das coisas, mas simplesmente de não ser, de não estar, de sair do mundo com consciência e contemplar as nuvens.
Não ser.
Só isso.
Do ponto de vista técnico, fisiológico e emocional, "ter vontade de não ser" podia ser confundido com "não ter vontade de ser". E no entanto, no seu entender, que era um entender especializado dado que só ela sentia e exprimia o sentimento, as duas expressões não traduziam o mesmo. Calou-se por alguns momentos, bebeu um pouco de água. Revelou: a vontade existia sempre. Repetiu: Sempre. Aquela vontade intrínseca, própria, apropriada, incondicional: essa existia sempre, daí que a vida fosse. Seria injusto não ter vontade, concluiu. Absurdo. Estranho. Inútil. Próprio de uma pessoa morta antes de tempo. Esbracejou indignada. Daí que optasse por "não ser". E em dias como aquele, tinha realmente vontade de não ser. Encolheu os ombros. Disse: para ver as nuvens passar.
Era uma mulher impressionante.
Cheia de vontade.