O quadro ocupava várias paredes, mas naquela altura isso era irrelevante porque as paredes deixavam de existir e o mundo era agora o quadro. As telas gigantes representavam um jardim e era tão bom olhar para elas, que a mulher se lembrou do Jardim do Éden. A arte emocionava-a e ela disse bem alto: "A mão de Deus nas coisas". A mulher chamou-se a si própria Eva e atravessou o quadro. Primeiro com a mão, depois um pé, depois o outro.
Tinha chovido naquela manhã, adivinhou, pois a relva estava húmida e as últimas gotas desequilibravam-se das árvores. A mulher estava agora nua e o seu corpo era tão branco que mais parecia uma estátua em movimento. Afastou a cortina de um chorão e sentou-se à beira do lago: era bom ouvir a água pousar nas margens.
Horas mais tarde sentiu-se sozinha e foi então que pensou no primeiro homem. Imaginou-o nu e branco como ela e antecipou o primeiro beijo. Depois levantou-se e encheu os pulmões de ar. Gritou: Adão!, mas nesse momento caiu sobre o jardim uma nuvem enorme e a mulher calou-se. A sombra ia descendo na sua direcção e Eva dirigiu-se a ela sem medo. Finalmente reconheceu cinco dedos enormes que, acariciando-lhe primeiro o rosto, a pegaram ao colo. A mão de Deus nas coisas.
Neste caso, era a mão do pintor. Vinha ver o seu jardim de tempos a tempos e gostava de colher os seus frutos. Pintor e obra olharam-se com demora, ele enorme e ela muito pequena.
Neste caso, era a mão do pintor. Vinha ver o seu jardim de tempos a tempos e gostava de colher os seus frutos. Pintor e obra olharam-se com demora, ele enorme e ela muito pequena.
Quem os vê, pensa: Um não existe sem o outro.
Mais uma história de amor.