sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Para que serve uma canção?


Certas canções regressam aos ouvidos.
Estamos num bar, numa casa, numa loja e, de repente, lá vem ela: uma canção olvidada.
Inclinamos a cabeça.
Ah, que engraçado. Olha-me esta.
Um dos ouvidos fica muito atento e o outro ouvido deixa de ouvir, vai para outro lado qualquer, para um lugar secreto. O lugar da canção.
Sorrimos para ela, a canção olvidada. Como se uma fosse uma pessoa, um animal de estimação. Incrível. Esteve todo este tempo à nossa espera.
Nós conhecemo-la há muito, mas a canção também nos conhece de ginjeira. Umas vezes, insiste num instrumento e, outras vezes, puxa por este verso, prolonga aquela pausa. Transforma-se nisto ou naquilo. Faz truques de magia.
Durante o reencontro, só essa canção faz sentido. Estamos no tal bar, na tal casa e, de súbito, ficamos sozinhos. Mais ninguém nos entende, mais ninguém nos diz as coisas que a canção nos diz.
É um discurso antigo e também um discurso novo, um feitiço melodioso.
A canção olvidada também é maliciosa. Pelo menos, aos nossos ouvidos. Aparece no sítio errado à hora certa. Tem novos sentidos.
No outro dia, regressou-me aos ouvidos uma dessas canções olvidadas.
O meu ouvido direito concentrou-se e o outro ouvido foi passear. Os minutos arrastaram-se um pouco mais, houve um ligeiro atraso no mundo (nada de grave).
A voz da Sónia Tavares. The Gift. Já não me lembrava, acho. Fizeram 20 anos de carreira, vi o documentário (like!).
Misteriosamente, a canção olvidada, agora, não me larga. Vem atrás de mim pelas ruas, como um cãozinho zeloso. Desconfio que não me vai deixar tão cedo.
Porquê esta canção? Porquê aqui? Porquê agora?
Outra pergunta ainda: Para que serve uma canção?
É tão difícil explicar.
Mas é fácil de entender.