sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Elena Ferrante

Saio de casa de mala com rodinhas. Aquela pergunta de sempre: esqueci-me de alguma coisa?
Escova de dentes?  Check.
Desodorizante? Check.
Entro no elevador. 3, 2, 1.
Sim, esqueci-me.
De quê?
Da Elena Ferrante. Largada no sofá.
Na verdade não me esqueci.
Deixei-a em casa de propósito. É bem feito.
Há comida no frigorífico. 
Desenrasque-se.
Eu também tenho uma vida. Faço mais ou menos o que quero. Sou mais ou menos livre.
Por exemplo: às vezes, não leio. Não me apetece. Não estou para isso. E a Elena Ferrante tira-me o sono, a segurança, o sossego. Fico a lê-la até às tantas, de coração atribulado. Chego atrasada ao trabalho.
Só mais um parágrafo, só mais uma página. Não me levanto, não me lavo. Não pode ser.
E leio-a de qualquer maneira. De pé, contra a parede, a rebolar pelo chão.
A culpa é da Lila. Não me quer bem. Qualquer dia, dou-lhe um estalo. É uma menina má.
De vez em quando tratam-na por Lina. É o nome da minha mãe, que engraçado. Fico a imaginar a Lila com o rosto da minha mãe.
Bolas! 
Esta caneta acaba de largar tinta. Em sinal de protesto, acho. 
É uma caneta má. Fiquei com as mãos manchadas de negro. Um pequeno crime.
Hesito: se calhar não devia ter deixado a Lila sozinha em casa.
Fico a pensar no livro. Sozinho e macambúzio. De castigo no sofá. 
Faltam-me umas 30 páginas. 
Não faz mal, leio-as noutro dia. Hoje não.
Tenho mais que fazer.
A Elena Ferrante não manda em mim.
Ouviste, ó?
Tu não mandas em mim.
Bom. Acho que vou voltar para trás. Nunca se sabe. 
Estou com receio.
E também saudades.