No final do ano é sempre assim: subimos muito alto. Ficamos suspensos no ar a ver as casas lá em baixo.
As casas, as estradas, as pontes.
Estamos dentro de um avião dentro das nuvens.
São nuvens brancas e suaves, não fazem mal a uma mosca.
Ao longe, tudo é bonito: a cidade, as casas, as nuvens.
Ao longe, também o tempo é bonito: janeiro, fevereiro, março.
Um ligeiro peso nas pálpebras. No pescoço. Na consciência.
Uma ressaca do mundo inteiro. Um cansaço antigo.
No final do ano é sempre assim: fechamos os olhos para o tempo. Interrompemos o mundo a meio de uma frase, a meio de um segundo.
Estamos dentro de um sono dentro de um avião dentro do tempo, a passear pelas nuvens.
Descalços e descontinuados.
De súbito, uma turbulência qualquer no corpo. Uma ansiedade minúscula alinhada à esquerda.
Abrimos os olhos e vemo-la: a cidade do Porto. As casas, as estradas, as pontes.
Ao longe, a cidade invicta é bonita.
A beleza tranquila da distância.
Pousamos devagar no mundo. Como pequenos deuses. Primeiro os pés e depois a cabeça.
Só então o tempo recomeça.
O tempo e o mundo.
2016 ao virar da esquina.
Mais um ano, mais uma viagem.
O tempo ao longe.