Os gregos disseram Não.
Não se sabe bem a que disseram Não.
À Europa?
Não.
À austeridade?
Também não.
No entanto, o Não transmite uma mensagem que é, de certa forma, positiva. É, não é?
Talvez.
O Não é um símbolo.
Há aqui uma certa dramatização da negação, uma representação, um teatro da escolha.
A escolha de quê?
Não sabemos.
Apesar disso, acho bem que os gregos tenham dito Não. É preciso não ter medo do desconhecido.
Se me dessem a escolher, também diria Não. A quê?
A isto. A esta Europa.
À austeridade.
Infelizmente, os dirigentes gregos vieram a Bruxelas sem um plano.
Porquê?
Ninguém sabe.
Só eles saberão.
Li há pouco-poucochinho que o Tsipras trouxe uns apontamentos escritos num bloco de hotel.
Quem é afinal o protagonista deste impasse?
A propósito do medo e do teatro, fui revisitar a Poética de Aristóteles, o texto milenar que veio definir os géneros literários.
Diz-nos Aristóteles que a tragédia grega - género superior da arte poética - é uma imitação das ações e da vida, e não uma imitação dos homens. Ou seja, vive dos acontecimentos; não das personagens. Ainda assim, as personagens têm de ser nobres. Só é possível sentirmos compaixão por pessoas boas, de conduta exemplar.
Se a atualidade na Grécia e na Europa fosse um texto poético, o referendo grego - ou a imitação do referendo - seria o acontecimento; os gregos - dirigentes e cidadãos - seriam as personagens. A bem desta tragédia, partiremos do princípio de que tanto os gregos como os troianos são personagens nobres, de conduta exemplar.
Os demais europeus são, pois, espectadores entusiasmados e também figurantes. Alguns entre eles são, claro está, protagonistas, igualmente nobres e exemplares.
Brevemente ficaremos a saber se esta peça sofre uma reviravolta.
É que a tragédia grega só se concretiza com uma peripécia capaz de transformar os acontecimentos no seu oposto.
No caso, talvez o Não dos gregos se tranforme num Sim. A quê?
Não sabemos.
Talvez à Europa.
Talvez à austeridade.
A verdadeira tragédia ocorre com o reconhecimento da peripécia ou reviravolta, ou seja, quando a personagem passa da ignorância para o conhecimento.
Neste momento, somos todos ignorantes.
No final, quando percebermos o resultado de tudo isto, se estivermos perante uma verdadeira tragédia grega - género superior da arte poética - os gregos cairão em desgraça pelas suas próprias mãos e os europeus darão provas de compaixão e temor. Só este sofrimento, esta empatia, este medo, nos levará à catarse. Ou seja, à purificação da alma através do delírio. Ao domínio das paixões. À clarificação do intelecto.
Desta tragédia talvez a Europa saia mais forte. Mais pura. Mais esclarecida.
Ou isso, ou ficará tudo na mesma. Isto é, na linha do declínio, com tendência a piorar.
É possível. É até provável.
Nesse caso, todo este texto seria um péssimo exemplo de arte dramática. Sem peripécia, não há catarse.
Seja como for, parece-me que a Europa precisa de mais poesia. De mais lirismo.
E de menos técnica.
Eu digo Sim aos gregos.
À peripécia.
E à catarse.