Por vezes, perco a paciência. Perco o sangue-frio. Perco a cabeça.
Logo a seguir perco o comboio.
Também perco objetos.
Alguns objetos existem para se perderem.
Meias, luvas, moedas. Óculos, sapatos. Chapéus, guarda-chuvas. Anéis, brincos, colares.
São objetos perdidos.
Por vezes, reaparecem. Mudam de lugar ou de dono.
Na maior parte das vezes, desaparecem para sempre. Livros, telemóveis, cartões. Cadernos, carteiras, bilhetes.
Eu não perco tempo com as coisas perdidas.
Encolho os ombros e sigo caminho. Digo-lhes adeus ao longe. Um aceno, um beijinho, um abraço.
Os gestos também se perdem.
Eu não tenho apego às coisas perdidas.
Não perco o meu latim. Não perco as estribeiras.
Dou pela falta de um brinco e não sinto pena nem arrependimento.
Sinto uma enorme indiferença. Uma indiferença a perder de vista.
Se calhar ganhei calo com tanta perda, não sei.
A verdade é que só perde quem tem. E eu estou-me nas tintas para os objetos.
Deito tudo a perder.
Uma vez perdi a consciência.
Outra vez perdi a virgindade e nunca mais a encontrei.
Por vezes, perco a cabeça. Perco terreno. Perco a razão. Perco a noção das coisas.
Perco o equilíbrio.
Em certos dias, perco-me de amores. Perco-me num livro.
Sou uma grande perdedora. Mas nem por isso tenho bom perder.
Nunca gostei de perder no Monopólio.
Ainda hoje odeio perder no Sudoku.
Quando jogava vólei, perdia a voz de tanto gritar.
Não gosto de perder o pé. Não gosto de perder a vez.
Infelizmente, já perdi pessoas. É terrível perder pessoas.
Eu tenho mau perder a perder pessoas.
Nos dias bons, perco o medo. Nos dias maus, perco o tino.
Raramente perco o sono. Raramente perco peso.
Quase sempre, perco a vergonha.
Nem sempre é mau perder a vergonha. Por vezes, é bom. É bem melhor.
Sempre se ganha alguma coisa quando se perde.
Talvez juízo.
Talvez experiência.
Sei lá.
Pode ser que sim.
Por vezes, perco o norte. Perco o fio à meada. Perco-me em divagações.
Mas não perco pitada.
Não perco pela demora.
E nunca perco a esperança.