Acontece-me com frequência.
Estou muito bem no sofá a ler um livro e a bebericar um chá, quando, às páginas tantas, uma página do livro abre a boca e eu caio lá para dentro.
Às vezes magoo-me na queda e fico confusa, não sei onde estou. Bato com a cabeça nas letras.
Eu grito, mas ninguém me ouve. Não há janelas nem portas dentro de uma página.
Ando de frase em frase durante horas e não encontro a saída, não entendo as palavras. São muito maiores do que eu.
Reparem: eu estou dentro da página. Não é possível ler por dentro.
Ando de um lado para o outro como uma barata tonta. Caminho pelas palavras de cima para baixo e de baixo para cima. Chego ao fim da página e volto para trás.
Tento rasgar o papel mas não consigo, não tenho força. Fico enclausurada entre as linhas.
E não há nada para fazer aqui além de ler e reler. Rastejo pelo chão da página e tento decifrar as letras. Leio e releio. Repetidamente. Insistentemente.
Primeiro em voz alta e depois com a ajuda das mãos e dos pés.
Da esquerda para a direita e da direita para a esquerda.
Infelizmente, não há palavra que me salve. A leitura não avança, não acontece.
As palavras ficam a repetir-se no tempo como máquinas avariadas.
A única solução é parar de ler.
Quando eu desisto, a página abre a boca e eu saio.
São páginas caprichosas.
Lidam mal com a rejeição.