O meu iPod pode muita coisa.
É pequenino, fininho e inofensivo, mas dá-me muita música. Além disso, tem o poder mágico de transformar o mundo.
Quando quero mudar de banda sonora, agito o iPod no ar e ele muda de ideias. Põe outra música qualquer. E o mundo altera-se.
Eu abano e ele abana, o mundo transforma-se.
Alguém chamou a isto Shake to Shuffle.
Era bom que o mundo fosse um pouco mais parecido com o meu iPod.
Uma pessoa abanava-o e ele mudava de paradigma.
Seria um mundo completamente diferente. Todas as vezes diferente.
Admiravelmente novo e renovado. Modificado.
Com outro ritmo, outro tom, outra música.
Uma pessoa shake e ele shuffle.
Seria uma proeza ao estilo da Dorothy, que batia com os pés no chão e ia parar à Terra de Oz.
Apetecia-me passear na Terra de Oz com o Homem de Lata.
Em vez disso, vou sair para a terra bruxuleante de Bruxelas.
Mas vou bater com os pés no chão na mesma. Só para abanar um bocadinho.
terça-feira, 30 de junho de 2015
sexta-feira, 12 de junho de 2015
Com a cabeça nas letras
Acontece-me com frequência.
Estou muito bem no sofá a ler um livro e a bebericar um chá, quando, às páginas tantas, uma página do livro abre a boca e eu caio lá para dentro.
Às vezes magoo-me na queda e fico confusa, não sei onde estou. Bato com a cabeça nas letras.
Eu grito, mas ninguém me ouve. Não há janelas nem portas dentro de uma página.
Ando de frase em frase durante horas e não encontro a saída, não entendo as palavras. São muito maiores do que eu.
Reparem: eu estou dentro da página. Não é possível ler por dentro.
Ando de um lado para o outro como uma barata tonta. Caminho pelas palavras de cima para baixo e de baixo para cima. Chego ao fim da página e volto para trás.
Tento rasgar o papel mas não consigo, não tenho força. Fico enclausurada entre as linhas.
E não há nada para fazer aqui além de ler e reler. Rastejo pelo chão da página e tento decifrar as letras. Leio e releio. Repetidamente. Insistentemente.
Primeiro em voz alta e depois com a ajuda das mãos e dos pés.
Da esquerda para a direita e da direita para a esquerda.
Infelizmente, não há palavra que me salve. A leitura não avança, não acontece.
As palavras ficam a repetir-se no tempo como máquinas avariadas.
A única solução é parar de ler.
Quando eu desisto, a página abre a boca e eu saio.
São páginas caprichosas.
Lidam mal com a rejeição.
Estou muito bem no sofá a ler um livro e a bebericar um chá, quando, às páginas tantas, uma página do livro abre a boca e eu caio lá para dentro.
Às vezes magoo-me na queda e fico confusa, não sei onde estou. Bato com a cabeça nas letras.
Eu grito, mas ninguém me ouve. Não há janelas nem portas dentro de uma página.
Ando de frase em frase durante horas e não encontro a saída, não entendo as palavras. São muito maiores do que eu.
Reparem: eu estou dentro da página. Não é possível ler por dentro.
Ando de um lado para o outro como uma barata tonta. Caminho pelas palavras de cima para baixo e de baixo para cima. Chego ao fim da página e volto para trás.
Tento rasgar o papel mas não consigo, não tenho força. Fico enclausurada entre as linhas.
E não há nada para fazer aqui além de ler e reler. Rastejo pelo chão da página e tento decifrar as letras. Leio e releio. Repetidamente. Insistentemente.
Primeiro em voz alta e depois com a ajuda das mãos e dos pés.
Da esquerda para a direita e da direita para a esquerda.
Infelizmente, não há palavra que me salve. A leitura não avança, não acontece.
As palavras ficam a repetir-se no tempo como máquinas avariadas.
A única solução é parar de ler.
Quando eu desisto, a página abre a boca e eu saio.
São páginas caprichosas.
Lidam mal com a rejeição.
quarta-feira, 10 de junho de 2015
Mads Mikkelsen
Nos últimos tempos dou de caras com o Mads Mikkelsen todos os dias. Está sentado à minha porta, vestido de preto e de perna cruzada.
Eu assusto-me quase sempre: dou um gritinho e levo a mão ao peito.
É que o Mads Mikkelsen provoca em mim um certo respeito e também acentuado fascínio. Seja como vilão do James Bond, seja como amante da rainha.
Saio de casa e olho para ele, ele olha para mim. Traz um sorriso matreiro pendurado nos lábios, como se soubesse tudo sobre os comuns mortais, eu incluída.
Eu sigo em frente e ele fica para trás, na sua poltrona profunda.
Há qualquer coisa intrigante e espicaçante no Mads Mikkelsen. Tem cara e nome de louco. E uma voz profunda, de assustar os corvos.
O que faz o Mads à minha porta?
Não-sei-quê de mobília escandinava. Estou-me nas tintas para a mobília escandinava.
De qualquer forma, agradeço o cartaz em tamanho real.
Nada me põe mais mad do que ver o Mads logo pela manhã.
Dá-se-me logo a espertina.
Eu assusto-me quase sempre: dou um gritinho e levo a mão ao peito.
É que o Mads Mikkelsen provoca em mim um certo respeito e também acentuado fascínio. Seja como vilão do James Bond, seja como amante da rainha.
Saio de casa e olho para ele, ele olha para mim. Traz um sorriso matreiro pendurado nos lábios, como se soubesse tudo sobre os comuns mortais, eu incluída.
Eu sigo em frente e ele fica para trás, na sua poltrona profunda.
Há qualquer coisa intrigante e espicaçante no Mads Mikkelsen. Tem cara e nome de louco. E uma voz profunda, de assustar os corvos.
O que faz o Mads à minha porta?
Não-sei-quê de mobília escandinava. Estou-me nas tintas para a mobília escandinava.
De qualquer forma, agradeço o cartaz em tamanho real.
Nada me põe mais mad do que ver o Mads logo pela manhã.
Dá-se-me logo a espertina.
domingo, 7 de junho de 2015
Trovoada e trovador
A chuva cai. O pano cai. Tudo cai.
As pedras, as nuvens, os poemas.
Tenho um relâmpago dentro da cabeça.
Raios e coriscos dentro da cabeça.
Sou um trovador a trovejar.
Sou uma descarga elétrica.
Um estrondo.
Uma trova.
Um trovão.
O tempo instável.
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