Há um pássaro novo cá atrás. Acorda-me todas as manhãs aos gritos e eu rogo-lhe pragas. O pássaro canta como um despertador: um grasnar histérico e insistente, que se repete até à exaustão. Não deve ser um pássaro bonito. Se fosse, não precisava de grasnar assim. A culpa é da primavera, quiçá. Levanto-me e vou à casa de banho. O pássaro continua a grasnar mesmo em cima da cabeça. Deve estar a marcar território ou então a afugentar um inimigo. Em qualquer dos casos, deve estar a ter sucesso porque os outros pássaros piam fininho. Vou para a cozinha e corto fatias de pão com a minha faca serrilhada de aço inoxidável. Eu, se pudesse, voava para longe com o meu ninho debaixo do braço. O pássaro continua a grasnar toda a gente. Deve ser um corvo, porque os corvos são feios e também não cantam. Grasnam. Além disso, comem o que vier ao bico, incluindo cadáveres. Os corvos são nojentos. Bebo café com leite e penso neste pássaro recém-chegado. Se calhar está muito aflito. Todos os imigrantes se afligem no princípio. Deve estar com medo da vida ou da morta. Ou então não gosta de passarinhas e ainda não saiu do armário. Estou a comer pão com doce de amora e penso na pressão de ar, nos chumbinhos que moravam em latas redondas. Sempre gostei do barulho dos chumbinhos dentro da lata. Infelizmente, nunca tive pontaria.
Se tivesse, era já. PUM!