terça-feira, 14 de julho de 2009

Senhora Eleonora

Durante a hora de almoço estivemos a observar a senhora Eleonora. Para isso, tivemos de dobrar os nossos olhos como sinos porque a senhora Eleonora estava sentada na mesa do lado. Decidimos observar a senhora Eleonora por ela ser muito gorda e saltar, por isso mesmo, à vista.
A julgar pelo volume do peito, a senhora Eleonora podia ser prima-dona de profissão, vocação e temperamento, mas rapidamente concluímos que não era.
Uma pena.
Quando a comida chega, a senhora Eleonora recebe-a de braços literalmente abertos. Pega no garfo com a mão inteira e enrola com pressa um novelo de massa, que enfia de uma só vez na enorme boca. Temos fome só de a ver.
A senhora Eleonora não está sozinha. À sua frente, uma mulher magra desinteressante conta qualquer coisa e a senhora Eleonora come e cala. De vez em quando pressiona um guardanapo na boca e bebe um trago de água sem gás. No final de um relato visivelmente cómico, a senhora Eleonora dá uma gargalhada profunda e engasga-se porque ri, bebe e come ao mesmo tempo. A gargalhada, interrompida por uma curtíssima tosse, deixa adivinhar a enorme caixa-de-ar e nós temos novamente pena de a senhora Eleonora não ser prima-dona. Isto porque, tendo em conta a simpleza do apetite, não restam dúvidas de que a senhora Eleonora não actua nas óperas das grandes cidades. Desejamos, portanto, que a sua profissão e atitude na vida sejam tão prezáveis como as de uma prima-dona.
A senhora Eleonora fala agora de olhos esbugalhados e a sua voz é tão poderosa que queremos ouvir a sua história. Infelizmente nenhum de nós parla italiano, por isso não percebemos a história certamente animadíssima, pois já se sabe que as pessoas gordíssimas e respectivas histórias são, por norma, mais animadas do que as outras pessoas e as outras histórias, por causa do enorme apetite que têm por todos os prazeres da vida.
A senhora Eleonora regressa à massa com a sua mão sapuda e domina-a facilmente. Ri enquanto come, mas agora já não se engasga.
Observamos a indumentária da senhora Eleonora e reparamos, em primeiro lugar, nos enormes brincos redondos e cor-de-rosa que apontam para a frente no final dos caracóis. Descendo pelo pescoço, apercebemo-nos de que o colar é feito das mesmas esferas cor-de-rosa. Ora, isto causa-nos um certo espanto. Dir-se-ia que a senhora Eleonora, além de ser gorda, ostenta este facto nas orelhas e no pescoço, orgulhosa das suas formas redondíssimas. Nunca tínhamos visto uma mulher deste tamanho com tanta vocação para ser gorda.
Estamos conquistados, por isso observamo-la ainda.
No final da refeição, quando já nada há no prato, enquanto a mulher magra e desinteressante vai dizendo uma outra coisa, a senhora Eleonora pega num pedaço de pão e arrasta-o pelo prato, desenhando círculos perfeitos. Enquanto come olha para o prato imaculado, à procura de vestígios. Não encontra.
Está visto: a senhora Eleonora adora ser gordíssima. Por esta razão, temos imensa pena de não sermos tão gordos.
No final desta hora de almoço, damos graças a Deus Nosso Senhor por a senhora Eleonora não ser prima-dona.
Só então nos apercebemos de que não acreditamos em Deus.
Dizemos em tom de correcção: Ainda bem que a senhora Eleonora não é prima-dona.
Repetimos: Ainda bem.
Pois não seria tão graciosa nem tão sublime.
E isso seria lamentável.