Passaram três meses e picos. Uma eternidade pequenina.
O meu filho já não cabe na banheira. E o meu corpo não cabe em lado nenhum.
Esta barriga não tem explicação. Continuo a vestir roupa de grávida.
Às vezes não tomo banho. Às vezes penteio o cabelo.
Estou sempre com fome. Estou sempre com sono.
Quando ele dorme, fico a vê-lo dormir. Se me deito, ele acorda.
Passo a vida a inventar palavras. Também invento musiquinhas. Canto as musiquinhas inventadas mesmo quando não estou com ele.
Tenho saudades de qualquer coisa. Não sei bem de quê.
Um dia destes saí de casa e deixei a panela de pressão ao lume. Uns dias mais tarde deixei a mala no elevador. Ando meio confusa. Durmo pouco. Sonho muito.
Mas estou a gostar disto, apesar de andar com pouca paciência para o mundo. Não me apetece ler notícias. Também não me apetece ler sobre bebés. Perdoem-me. Gostava de ser uma pessoa melhor. Uma mãezinha melhor. Mas acho que não vai dar.
A ideia generalizada de que a maternidade é o cúmulo do sacrifício chateia-me a potes. Coitadas das mães. Mereciam melhor. Gostava que a imagem da maternidade fosse a de mulheres emancipadas e não a de pobres coitadas, condenadas ao suplício. Silhuetas discretas que dão tudo e não recebem nada. Que se esquecem de si próprias. Que vêm em segundo plano ou mesmo em terceiro.
Neste dia da mulher, em que estou descabelada e mal-cheirosa, rejeito a narrativa do sacrifício. Nunca tive queda para mártir nem para heroína. O que é o sacrifício da maternidade? Deixar de fazer todas as coisas que nos dão prazer para cuidar de alguém? Não foi esta precisamente a escolha que fizemos?
Do alto da minha total falta de noção e de higiene, afirmo que ser mãe é, antes de mais, um privilégio. Não é um sacrifício, ainda que implique sacrifícios. Já se sabe que não há recompensa sem esforço. Tudo o que fiz de jeito na vida implicou sacrifício pessoal. Acho que não passei a sofrer mais por causa disso. E também não passei a existir menos. Pelo contrário.
Neste dia da mulher, penso nas mulheres da minha vida que não são pobres coitadas. Que não pedem nada em troca. Que lutam todos os dias por serem elas próprias. E são muitas.
De resto sinto um amor estúpido. Um amor brutal. O meu filho aponta-me os seus olhinhos boquiabertos e eu parto-me a rir. Mas hoje, o que tenho para lhe dizer, com todo o amor do mundo, é isto: meu querido filho, tu vive e deixa viver. A mamã já cá estava antes. Entendes?