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Alguns tinham lido a Karateca, outros o Supergigante, outros ainda a Mary John. Alguns tinham lido os três livros ou então dois.
Na escola Soares dos Reis, havia um mostrador e uma parede da biblioteca decorados com as frases favoritas dos alunos. Frases que eu nem sabia que tinha escrito! Por exemplo: "Um olhar que olha." Ou: "O fim é o início de outra coisa qualquer." Ou ainda: "E tudo faz sentido, mesmo quando nada faz sentido."
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O encontro com os alunos do 9.o ano começou com uma leitura do Miguel e da Joana. Leram um excerto da Mary John que fala, entre outras coisas, do sentido da vida e de "almas perdidas".
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A conversa andou em torno das perguntas dos alunos, muitas delas nunca antes "perguntadas". Por exemplo esta: o que é para si uma "alma perdida"? A karateca queria realmente ser freira? Por que razão a Mary John continua a escrever ao Júlio depois de confessar que já o esqueceu? Quais as vantagens de escrever à mão?
Pergunta puxa resposta, lá fui falando dos livros e do processo de escrita de todos eles. A certa altura disse-lhes que transpirei bastante enquanto escrevia o Supergigante. Perguntei-lhes se tinham transpirado durante a leitura. A Catarina disse que tinha "transpirado dos olhos". A Leonor perguntou-me se os meus encontros com alunos também serviam de inspiração para escrever. Eu disse que sim e fixei logo aquele nome: Leonor. Like it very much! A Sofia quis saber se eu considerava a possibilidade de escrever para adolescentes partindo de personagens que não fossem adolescentes. E esta, hein?
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O Alexandre mostrou-me os textos que ele escreveu e ilustrou a partir de frases do Supergigante. O primeiro poema tinha como título: "Eu corro e não avanço".
No final da sessão na escola Soares dos Reis, o Gonçalo - vestido de carteiro dos CTT - entregou-me um molho de cartas e uma prenda dos alunos.
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Foi uma surpresa e tanto! Vim no alfa pendular pendurada nestas memoráveis epístolas.
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Umas vinham escritas em folhas de caderno, outras em papel de carta com enfeites diversos: borboletas, folhas de árvore, Snoopys. Uma das alunas dizia que a Maria João, o Raul, a karateca, o Daniel, o Edgar e a Joana eram os seus "amigos novos". Uma outra leitora dizia que estava a aplicar o método científico da karateca a todas as áreas da sua vida. Uma das cartas mais longas e bonitas falava-me da morte e do amor a partir da leitura do Supergigante. E uma moça dizia que a Mary John contava a história da sua vida.
Depois de ler as cartas, abri o meu presente da escola Soares dos Reis.
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Era um caderno novinho em folha: a prenda ideal para quem estava mesmo a precisar de desabafar. Escrevi assim: "Hoje conheci uns alunos que não são almas perdidas!"
Resta-me agradecer o empenho e a boa onda das professoras bibliotecárias e dos professores de Português das duas escolas. Agradeço em especial ao Pedro Carvalho da fantástica livraria Velhotes (onde habitam umas fanzines upa-upa) que organizou estes magníficos encontros. Estou para aqui a transbordar emoção, esperança e inspiração.
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