Um homem massaja-lhe os pés e ela concentra-se nele. Um rosto muito pequeno e frágil. Os olhos em bico, a tez escura. Talvez seja vietnamita ou cambojano. Os dedos do homem nos seus tornozelos e ela pensa em Marguerite Duras e no seu amante chinês, tão intensamente mole, de causar dó e asco ao mesmo tempo.
Fecha os olhos, mas não relaxa. Está sentada num cadeirão muito burguês e balofo e apercebe-se agora mesmo da sua existência igualmente burguesa e balofa. Neste momento, reflete sobre a quantidade de toalhas que o massagista oriental usa durante a massagem. Seis quilos de toalhas, talvez oito. Uma máquina de roupa.
Abre os olhos e observa. Só então lhe ocorre que nem fizera a depilação. Que chato. Há semanas que não olha para as pernas. Contempla as suas patas descuidadas mesmo em frente àquele rosto delicado. As unhas dos pés com vestígios de um verniz fossilizado. Coitado do homem caído a seus pés. Se lhe der um pontapé, ele cai e parte-se aos pedaços.
Jamais teria um amante chinês, pensa. Ou vietnamita. Ou cambojano. Eram homens demasiado pequenos para a sua existência. Eis um pensamento tacanho e desidratado, igualzinho aos seus pés. É uma mulherzinha burguesa, balofa e também muito racista no amor e no sexo. Ainda assim, gosta de um bom amasso.
No final da massagem, sai do salão aos pulinhos, os pés de súbito muito leves, levezinhos. Na primeira esquina, encontra um pequeno milagre: uma vontade ansiosa de escrever com as mãos e com as patas traseiras. Começa a escrever logo ali, a caminho de casa. As patas e as ideias muito hidratadas.
Por vezes fazia-lhe bem pôr a vida de molho. Enfiar o pé na argola.
Levar um bom apertão.