Eu desço a rue Lesbroussart como se estivesse a descer a rua do Alecrim: a baloiçar os braços e sem travões nas pernas. Cá vai disto.
A meio da rua, mais para baixo do que para cima, vejo a livraria PTYX, uma casa branca com escritores pendurados nas janelas.
Eu leio a fachada da livraria como quem lê um livro.
É que o rosto da PTYX reproduz a página de um dicionário. De alto a baixo, letras pretas sobre a fachada branca.
Para meu regozijo, ao lado da montra, na porta imaculada, está a Virginia Woolf. Eu passo por ela e tiro-lhe o chapéu.
A livraria PTYX é um livro aberto. Eu entro e leio os títulos, ouço o murmúrio nas prateleiras. Um murmúrio contínuo, como um texto que passa. Abro os pequenos livros como se abrisse ostras ou pequenos tesouros. Com dedicada cautela e expectativa.
Regra geral, fico no cantinho das novelas gráficas. Descubro grandes pérolas ali. Uh là là!
A livraria PTYX é a minha livraria de eleição.
No entanto, a minha eleição não lhe serve de muito. Não sou grande cliente. Na verdade, sou uma porcaria de cliente. Por norma, só lá vou aos sábados e nem sempre é possível passar na PTYX aos sábados. Há outras coisas para fazer.
Que outras coisas, pá?
Sei lá. Outras coisas.
Quando desço a rua Lesbroussart, são mais as vezes em que passo na livraria sem entrar do que as vezes em que lá entro. Independemente disso, tiro sempre o chapéu à Virginia Woolf.
Como é que é possível não ter tempo para as livrarias?
Receio que a maior parte da clientela da PTYX seja como eu: uma clientela de sábado-à-tarde-quando-dá. Se assim for, a PTYX tem os dias contados. Não é possível manter uma livraria com clientes sem travões.
Infelizmente para mim e para outros, a PTYX não abre aos domingos. São os próprios livreiros que explicam: on n’est pas feignant, ON LIT! Aos domingos, estão a ler, claro. Eu também leio aos domingos. Compreendo e aprovo.
Sempre que passo em frente à PTYX a baloiçar os braços e sem travões nas pernas, sinto remorsos.
Se a PTYX fechar, a culpa é minha.
Os leitores têm de ir às livrarias. Têm de folhear os livros nas livrarias. Têm de comprar livros nas livrarias.
Por uma questão de respeito e gratidão.
Não basta tirar o chapéu.