Não há nada mais solto do que escrever em folhas soltas.
A letra sai folgada e espaçosa, as palavras são desprendidas, não pertencem a ninguém.
As folhas soltas são livres e independentes, sabem a mar e a vento.
É possível fazer uma bola com uma folha solta. Um barco, um avião. Outra coisa qualquer.
Algumas folhas soltam-se e nunca mais regressam. São devassas e infiéis.
Tenho saudades de escrever em folhas soltas. No verso de papéis antigos, em folhas de rascunho.
Algumas folhas soltas dizem uma coisa de um lado e outra do outro. Por vezes, são feias porque vêm riscadas, emendadas, desalinhadas.
Alguns livros não deviam ser livros.
Deviam ser publicações abertas. Uma caixa de folhas soltas. Um envelope. Um dossiê.
Poemas e histórias desapertados. Sempre dava para atirar literatura pela janela.
Toma lá um conto da Alice Munro.
Um poema do Alexandre O'Neill.
Uma carta do Albert Camus.
Uma folha solta é espontânea e criativa. Desenlaça uma história sozinha. Foi assim com o Paperman. Era assim comigo.
Eu já não escrevo em folhas soltas, não sei porquê. Tenho cadernos previsíveis de folhas muito presas. Sou mais organizada, menos desenfreada, menos desunida. Tenho prisão de ventre.
O mais próximo que tenho de folhas soltas é um caderno de argolas. Pelo menos, dá para arrancar as folhas e libertá-las da ordem. E abaná-las. Amachucá-las. Deitá-las no lixo. Pô-las de castigo na gaveta.
Mas as folhas arrancadas não são folhas soltas.
São folhas tristes e abandonadas.
Não são rajadas de letras.
Não são desenfreadas.
Não sabem a vento.