Dirigiu-se à secção Mãos & Pés, porque tinha mais pena das mãos murchas que da boca árida. Passou os olhos enxutos pelas prateleiras.
Creme hidratante, loção de limpeza, sabão líquido, leite apaziguador, óleo para as unhas, não sei quê intenso, manteiga purificadora com sabor a absinto. Como?
Sabor, não. Cheiro.
Aaaah, que giro.
A narradora ressequida pegou na manteiga purificadora ao colo e refletiu enquanto farejava.
Em que momento se devem amanteigar as mãos? À noite? A menina da loja devia saber. O creme de absinto cheirava bem. De manhã? O creme de amêndoa também não era nada mau. Ia esborratar os auscultadores e o passe de metro. À noite não era grande ideia. O de cacau cheirava melhor ainda. Os livros iam escorregar-lhe das mãos. Noz de côco, délice de cannerberg. Iam ficar a cheirar a rosas silvestres ou a gengibre, a baunilha gourmande. E isso era mau? O que significa canneberg? No trabalho? Só se fosse para hidratar o teclado.
A narradora desidratou-se de ideias porque, além de ressequida, era impaciente.
À saída, passou por um castelo de boiões pequeninos. Leu: Lèvres à croquer. Que expressão fofinha. Com sabor a manga ou a mel. Ou a manteiga de karaté. Perdão?
Não.
Beurre de karité. Não de karaté.
O que significa karité? Para quê sujar o dedo indicador para meter bâton nos lábios?
A narradora mirrou um pouco mais e saiu da loja. Ia de mãos a abanar e espírito gretado. Pensou: Que se lixe a secura. Tinha mãos secas e um coração hidratado.
No nariz levava uma memória engraçada.
A manteiga purificadora com sabor a absinto.
Sabor, não.
Cheiro.