O lápis pequeníssimo desaparecia nos dedos e reaparecia nas folhas em forma de carbono. O carbono era, por seu turno, o sangue do lápis.
Não demorámos a perceber a semelhança entre o lápis e Benjamin Button. Ora, esta semelhança cativou-nos.
(Não vimos o filme, mas gostamos do Brad Pitt e conhecemos o tal estranho caso de se nascer ao contrário.)
Observamos o lápis como quem observa um diamante: estudiosamente.
(A propósito desta comparação apercebemo-nos disto: o lápis e o diamante são formas distintas de carbono, outro estranho caso.)
Tacteamos o lápis, descobrimos os seus contornos, as seis faces, gostamos de todos elas, giramo-lo na mesa, fechamos os olhos para ouvir o seu chilrear.
Afiamos o lápis cheios de tempo.
(Tão cheios de tempo que o lápis perde o bico e logo o afiamos de novo.)
Gostamos de afiar o lápis.
O lápis pequeníssimo é agora ainda mais pequeno. Em contrapartida, a sua existência é maior, pois gostamos mais dele do que do resto do mundo.
Pousamo-lo na orelha e levamo-lo a passear pelas ruas. Contamos-lhe histórias, compramos-lhe um gelado.
No final do dia voltamos de mão dada para casa. Pegamos no lápis ao colo, acariciamo-lo, entrelaçamo-lo nos dedos para escrever. No final do dia afiamos o lápis pequeníssimo mais uma vez. Na verdade, até ele perder o bico, para que haja silêncio no seu corpo. No nosso corpo. Em todos os corpos.
Depois afiamo-lo novamente. Ansiosamente.
Depois afiamo-lo novamente. Ansiosamente.
Até ao final do lápis.
No final contemplamos os despojos de carbono e madeira.
Arrastamos estes restos de vida para o cesto dos papéis, bem como tudo o que escrevemos com aquele lápis e tudo o que desenhámos, tudo o que desejámos (primeiro os dedos, depois o coração e finalmente a linguagem).
Arrastamos estes restos de vida para o cesto dos papéis, bem como tudo o que escrevemos com aquele lápis e tudo o que desenhámos, tudo o que desejámos (primeiro os dedos, depois o coração e finalmente a linguagem).
Era um bom lápis, aquele. Nem duro nem mole. De tipo HB.
(Nada será como dantes.)