Senta-se num banco a comer uma banana, olha para o chão e não para o céu.
Pega numa folha seca. “Que linda folha!”, diz ele.
Aponta para as folhas que cobrem o chão, diz: “São iguais”. Explica-se melhor: “Esta folha é igual a esta e esta e esta.”
Apanho no seu olhar um indício de tristeza, a perceção súbita da verdade: a nossa existência breve e bela, “igual a esta e esta e esta.”
Nascer, crescer, cair, morrer.
Há de sofrer, este meu filho. Tem tendência para a reflexão e para o sentimento.
Às vezes parece mais pequeno do que é, outras vezes parece maior. Faz hoje 4 anos.
Ainda usa fralda à noite. Ainda dorme de chucha. Ainda dorme com um macaquinho.
Não é um menino expansivo. Não é irrequieto. Não é ousado. Não é barulhento.
Pelo contrário.
Fica muito tempo calado. Fica muito tempo a olhar para um livro. Fica muito tempo a olhar para as pessoas que passam. Quase nunca cai.
“Anda jogar às escondidas”, diz ele aos irmãos. Enfiam-se os três no armário da roupa, fecham as portas. Ficam lá dentro a falar numa língua inventada, fartam-se de rir. Há sempre alguém que acaba a chorar porque leva um tabefe ou um arranhão. Ele explica: “Eu bateu porque eu quero o avião”.
Repito a lengalenga do costume, que não pode bater, que tem de aprender a partilhar, pede desculpa ao mano.
É muito chato ser mãe. Preferia esconder-me no armário.
De repente desata a falar. Coisas um pouco dispersas. A colega da escola esqueceu-se do casaco, a professora não deixa correr na sala, estava frio no recreio. Interrompe o relato para contar as uvas que estão na tigela. Uma, duas, três, quatro, cinco. Fala-me então de um incêndio com muito fogo e muito barulho. “Então e depois?”, pergunto eu. “Depois vieram os bombeiros e o fogo desapaga.”
Nisto salta para cima de mim, enterra os joelhos na minha barriga. Grita: “Eu gosto da minha mamã”.
Corre nu pela casa antes de entrar no banho. Continua a dizer: “A mamã foge de mim”, mas quer dizer precisamente o contrário. Eu corro, ele foge. Sobe para a “cama dos papás”. Pula todo nu. Grita: “Mamã, estou aqui!” E ri-se histericamente à espera que eu o apanhe.
Depois do banho enrolo-o na toalha. Ele diz: “Mamã, sou um bebé” e esconde o rosto atrás da toalha. Eu então conto a história de que uma cegonha me deixou aquele embrulho muito misterioso à porta de casa. “O que será?”, pergunto eu. “Espero que seja um bebé”. E lá vou desembrulhando o menino devagar. “Aqui estão uns pés muito lindos e grandes. Aqui estão uns joelhos muito fortes!” E assim vamos avançando até ao rosto, que ele próprio destapa, os olhos grandes e atentos. “Mas que lindo bebé!”, digo eu espantada.
Pego nele ao colo, ainda espantada, e lembro-me sempre desse momento inicial, o meu primeiro filho a aterrar-me nos braços. Nu, encolhido, receoso, indefeso.
O meu bebé humano. Filho mais desejado. Menino de verdade.
Vida tão breve.
Amor tão longo.