sábado, 27 de novembro de 2021

Vida tão breve


Vou buscá-lo à escola. Não me conta nada do seu dia. Diz: “Correr” e sai disparado à minha frente com a sua mochila do foguetão.

Senta-se num banco a comer uma banana, olha para o chão e não para o céu.

Pega numa folha seca. “Que linda folha!”, diz ele.

Aponta para as folhas que cobrem o chão, diz: “São iguais”. Explica-se melhor: “Esta folha é igual a esta e esta e esta.” 

Apanho no seu olhar um indício de tristeza, a perceção súbita da verdade: a nossa existência breve e bela, “igual a esta e esta e esta.” 

Nascer, crescer, cair, morrer.

Há de sofrer, este meu filho. Tem tendência para a reflexão e para o sentimento. 

Às vezes parece mais pequeno do que é, outras vezes parece maior. Faz hoje 4 anos. 

Ainda usa fralda à noite. Ainda dorme de chucha. Ainda dorme com um macaquinho.

Não é um menino expansivo. Não é irrequieto. Não é ousado. Não é barulhento. 

Pelo contrário. 

Fica muito tempo calado. Fica muito tempo a olhar para um livro. Fica muito tempo a olhar para as pessoas que passam. Quase nunca cai.


“Anda jogar às escondidas”, diz ele aos irmãos. Enfiam-se os três no armário da roupa, fecham as portas. Ficam lá dentro a falar numa língua inventada, fartam-se de rir. Há sempre alguém que acaba a chorar porque leva um tabefe ou um arranhão. Ele explica: “Eu bateu porque eu quero o avião”.

Repito a lengalenga do costume, que não pode bater, que tem de aprender a partilhar, pede desculpa ao mano. 

É muito chato ser mãe. Preferia esconder-me no armário.

De repente desata a falar. Coisas um pouco dispersas. A colega da escola esqueceu-se do casaco, a professora não deixa correr na sala, estava frio no recreio. Interrompe o relato para contar as uvas que estão na tigela. Uma, duas, três, quatro, cinco. Fala-me então de um incêndio com muito fogo e muito barulho. “Então e depois?”, pergunto eu. “Depois vieram os bombeiros e o fogo desapaga.”

Nisto salta para cima de mim, enterra os joelhos na minha barriga. Grita: “Eu gosto da minha mamã”.


Corre nu pela casa antes de entrar no banho. Continua a dizer: “A mamã foge de mim”, mas quer dizer precisamente o contrário. Eu corro, ele foge. Sobe para a “cama dos papás”. Pula todo nu. Grita: “Mamã, estou aqui!” E ri-se histericamente à espera que eu o apanhe.


Depois do banho enrolo-o na toalha. Ele diz: “Mamã, sou um bebé” e esconde o rosto atrás da toalha. Eu então conto a história de que uma cegonha me deixou aquele embrulho muito misterioso à porta de casa. “O que será?”, pergunto eu. “Espero que seja um bebé”. E lá vou desembrulhando o menino devagar. “Aqui estão uns pés muito lindos e grandes. Aqui estão uns joelhos muito fortes!” E assim vamos avançando até ao rosto, que ele próprio destapa, os olhos grandes e atentos. “Mas que lindo bebé!”, digo eu espantada. 

Pego nele ao colo, ainda espantada, e lembro-me sempre desse momento inicial, o meu primeiro filho a aterrar-me nos braços. Nu, encolhido, receoso, indefeso.


O meu bebé humano. Filho mais desejado. Menino de verdade.


Vida tão breve.

Amor tão longo.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

A casa não tem céu


A casa não tem céu

O sino não tem pneus

A porta não está aberta

A mala não é amarela

Isto não é uma grua

O carro não tem unhas

Uma flor não é cebola

O bebé não vai à escola

Um piano não é flauta

Um barco não é comboio

Um leopardo não é tigre

A bandeira não está triste

A mota não tem escada

O sol não tem estrada

A Isa não é menino

Tomate não é pepino

O morango não tem caroço

A janela não tem pescoço

A mamã não tem botão

O buraco não tem chão


(Texto a partir das primeiras frases que o meu filho mais velho começou a dizer aos 2 anos e meio.)

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Não: negação, rejeição, proibição

Quando o mais velho começou a falar, tomei nota das primeiras frases. 

No início só dizia frases afirmativas: Está quente. É um menino. A mamã já vem.

Depois começou a aventurar-se na negação. 

Não, dizia ele. 

Não está. Não tem. Não cabe. Não quer. Não pode. 

Muito se exprime com um não. Negação. Proibição. Rejeição. Ausência. Comparação. Exclusão. 

Assim vamos conhecendo o mundo. Sabendo o que as coisas são e também o que não são. O que está e o que não está. O que tem e o que não tem. Porque isto não pertence àquilo. E isso aí não tem disto. No fundo, uma coisa não é outra coisa.

Ao longo de umas semanas fui compondo um texto com essas frases negativas. E esse texto, em vez de “não”, acabou por dizer “sim”, e foi parar ao Contraconto. É o episódio 37 e chama-se “A casa não tem céu”.

https://www.rtp.pt/play/p8294/e579997/contraconto?fbclid=IwAR0jMrJe_6J-K5qPvB1jC5kZlr0HIZma9-ZBZvhLR2TrVhInMQ1Sz681KCU

(Nota: Assino o texto na qualidade de encarregada de educação porque o autor destas frases ainda não sabe assinar.)

Música de Bruno Santos, locução de Eva Barros, produção de Catarina Sobral.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Contraconto nos palcos



O que é isto?
É um bicho? É um risco?
É o quê? 

É um livro! É uma peça de teatro! 

É tudo isso.

O Contraconto fez um flic-flac e saltou da rádio para o palco! 

A rubrica da Antena 2 para os mais novos estará em cena em Algés a 5 e 12 de dezembro.

Não assisti aos ensaios nem vou assistir ao espetáculo, mas fico deste lado a bater barerés de palmas. É muito fixe fazer parte desta turma, bolas!

Informações e bilhetes aqui: https://www.bol.pt/Comprar/Bilhetes/102725-contraconto-teatro_municipal_amelia_rey_colaco/


segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Mary John em catalão!


 💫Alegria a rodos!

A Mary John acaba de aterrar na Catalunha.

Ainda agora deu entrada nas livrarias e já me chegam mensagens de jovens leitores, professores, mediadores, jornalistas, livreiros.

Imagino a Mary John na sua vidinha lá em Barcelona, a esquiar nos Pirenéus, a bambolear-se pela Costa Brava, a descer as Ramblas, a piscar o olho ao Gaudi, e sinto aquele entusiasmo vão dos pais que ficam na bancada a assistir à vida dos filhos.

📖 Uma edição da L’Altra Tribu, com tradução de Mercè Ubach.

📸 Foto algures em Barcelona cedida pelos autores do bookstagram “Els Bookhunters”.