Bom... Se o espírito espanto deixar, hei de comer um Pai Natal de chocolate. Hei de despi-lo à bruta e rasgar-lhe o fato cintilante. Hei de arrancar-lhe a cabeça com uma dentada e espreitar-lhe o crânio oco de ideias.
Coitado do Pai Natal. Já ninguém acredita nele.
Não me lembro de alguma vez ter escrito uma carta ao Pai Natal.
Sempre soube que o Pai Natal era o meu pai. Ele sentado à mesa a fumar e a beber whisky, e eu e os meus primos a chamar por ele: “Ó Pai Natal, ó Pai Natal!”
O meu pai a fazer-nos sofrer com a espera, a inventar desculpas (“Deve estar muito trânsito hoje”).
Este ano não tenho Natal nem o melhor Pai Natal de todos, mas pela primeira vez escrevi-lhe uma carta. Começa assim: “O Pai Natal existe e é o meu pai.” E é também a minha mãe. Penso nela todos os dias, agradeço-lhe todos os dias. Ser filha não é fácil, mas ser mãe é mais difícil.
Hei de comer um Pai Natal e pensar na minha mãe, que sempre partiu estes Pais Natais com um só murro e uma só gargalhada. Eu e o meu irmão comíamos os pedaços de chocolate e ríamo-nos à farta do Pai Natal reduzido a cacos.
Este ano, como toda a gente, não tenho Natal, não tenho a família, mas tenho um Pai Natal de chocolate.
Hei de dar-lhe um valente murro e comê-lo com fúria e esperança. No fim hei de fazer uma bolinha com o papel de prata.
Não sei porquê, mas adoro essa parte de fazer a bolinha com o papel de prata.
(Na foto um pormenor da montra de Natal de Le Typographe.)