domingo, 25 de outubro de 2020

O quê? O quê? O quê?


 As mãos sempre tão secas. Os dias tão iguais, que mais parecem o mesmo dia. 

Um único dia repetido. Com ligeiras diferenças. Num dia chove, no outro não. Num dia dói-me a garganta, no outro a tristeza. Mas os dias são essencialmente iguais aos anteriores e aos que hão de vir.

Espero que este não seja o meu castigo. Um ciclo eterno de dias sempre iguais. Coloco hipóteses: talvez tenha caído num buraco temporal. Talvez os deuses me estejam a dar uma lição. Talvez eu tenha de aprender qualquer coisa fundamental sobre a vida antes de poder avançar no tempo. 

Imagino-os no Olimpo, muito bem sentados na sua sala de professores, desiludidos com tudo isto e, em particular, com a minha existência.

Visto os meus filhos, alimento-os, empurro o carrinho para fora de casa. Presto atenção.

Vem aí o inverno. Folhas no chão, nuvens no céu. 

A sensação de que falhei em tudo. De que vou falhar sempre. De que ainda não aprendi qualquer coisa fundamental. Mas o quê? 

Imagino os meus pensamentos a fazerem eco no Monte do Olimpo. 

O quê? O quê? O quê?

Há muito tempo que não vejo nada ao longe. Há sempre um prédio à frente, um carro, um guindaste. É difícil pensar sem ver. 

É difícil pensar sem respirar também. Estou farta destas máscaras.

Imagino a praia do Guincho. Imagino o vento. Imagino que entro na água e fico para ali a boiar. A boiar. A boiar.

Tenho saudades das gaivotas. Tenho saudades do mar. Imagino o eco de tudo isto no Monte do Olimpo.

Mar mar mar. Guincho Guincho Guincho.

Não sei falar com os deuses. Não tenho jeito para a fé. Não tenho jeito para a oração.

Voltei a ouvir podcasts. Os outros fazem-me muita falta. 

E ainda quero aprender qualquer coisa fundamental. 

O quê? O quê? O quê?

Por Zeus, o quê?