As mãos sempre tão secas. Os dias tão iguais, que mais parecem o mesmo dia.
Um único dia repetido. Com ligeiras diferenças. Num dia chove, no outro não. Num dia dói-me a garganta, no outro a tristeza. Mas os dias são essencialmente iguais aos anteriores e aos que hão de vir.
Espero que este não seja o meu castigo. Um ciclo eterno de dias sempre iguais. Coloco hipóteses: talvez tenha caído num buraco temporal. Talvez os deuses me estejam a dar uma lição. Talvez eu tenha de aprender qualquer coisa fundamental sobre a vida antes de poder avançar no tempo.
Imagino-os no Olimpo, muito bem sentados na sua sala de professores, desiludidos com tudo isto e, em particular, com a minha existência.
Visto os meus filhos, alimento-os, empurro o carrinho para fora de casa. Presto atenção.
Vem aí o inverno. Folhas no chão, nuvens no céu.
A sensação de que falhei em tudo. De que vou falhar sempre. De que ainda não aprendi qualquer coisa fundamental. Mas o quê?
Imagino os meus pensamentos a fazerem eco no Monte do Olimpo.
O quê? O quê? O quê?
Há muito tempo que não vejo nada ao longe. Há sempre um prédio à frente, um carro, um guindaste. É difícil pensar sem ver.
É difícil pensar sem respirar também. Estou farta destas máscaras.
Imagino a praia do Guincho. Imagino o vento. Imagino que entro na água e fico para ali a boiar. A boiar. A boiar.
Tenho saudades das gaivotas. Tenho saudades do mar. Imagino o eco de tudo isto no Monte do Olimpo.
Mar mar mar. Guincho Guincho Guincho.
Não sei falar com os deuses. Não tenho jeito para a fé. Não tenho jeito para a oração.
Voltei a ouvir podcasts. Os outros fazem-me muita falta.
E ainda quero aprender qualquer coisa fundamental.
O quê? O quê? O quê?
Por Zeus, o quê?