O meu pai foi sempre o Pai Natal. Eu sabia que o meu pai era o Pai Natal. Eu acreditava no Pai Natal precisamente porque o Pai Natal era o meu pai. Ho ho ho!
O meu pai ri-se bastante. Da vida. Das pessoas. Das piadas secas.
Às vezes fica a rir-se sozinho.
O meu pai come uma laranja todas as manhãs. Lê o Expresso todas as semanas. Ouve jazz a toda a hora.
Tem um certo fascínio por atrocidades e tragédias. Reis ingleses passados da cabeça, naufrágios marítimos. Compra livros. Lê. Conta os pormenores.
O meu pai não usa risco ao meio nem risco ao lado. Penteia o cabelo para trás. Usa barba desde sempre. Antes era quase preta, agora é quase branca.
Uma vez cortou a barba no Algarve. A minha mãe quase teve um fanico. Lembro-me disso. E lembro-me de ter achado que o meu pai parecia uma pessoa diferente sem barba. Foi estranho.
O meu pai nasceu em Angola, viveu no Porto, cresceu na Parede.
Estava a fazer a tropa quando se deu o 25 de abril. Nessa altura não usava barba.
É sempre o meu pai que me vai buscar ao aeroporto. Quando me vê, tira-me uma fotografia. Quer levar ele a mala.
Envia-me mensagens quando o Benfica joga. Envia-me fotografias da praia e da minha mãe. Compra-me revistas. Guarda-me artigos que talvez me interessem.
Faz as vontadinhas todas à minha mãe. Faz as vontadinhas todas aos filhos e também aos netos.
Quase nunca comenta os meus livros. Deste último achou que um dos textos era sobre ele. É capaz.
O meu pai é fixe. Eu gosto dele e ele gosta de mim.
Fim.
Ilustração da Joana Estrela para o “Aqui é um bom lugar” |