quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Uma bagunceira que eu sei lá

Olho para a minha casa. Uma bagunceira que eu sei lá. Tudo tão fora do sítio, tudo tão sem nexo. 
Um casaco na casa de banho. Uma chupeta no bolso. Um papel no chão. 
Entro no quarto e apanho o meu reflexo no espelho. Toda eu uma desordem completa. 
Pego no papel que anda pelo chão: uma lista de coisas que nunca cheguei a fazer. Não sei onde largar o papel, por isso deito-o no lixo. 
Brinquedos espalhados pela sala. Ideias espalhadas pela cabeça. Roupa pendurada nos estendais. O meu cansaço pendurado nas cadeiras. O secador de cabelo em cima do armário. Um par de meias em cima da secretária. Uma toalha em cima da cama. Um coelhinho debaixo do sofá. E os livros. Livros na mesa de jantar. Livros na cómoda do quarto. Livros empilhados no chão. Uma pilha de livros muito mal empilhada, a bem dizer. Não tarda caem. Uma caixa de lenços vazia. Um pacote de leite vazio. 
Sacos de roupa emprestada. Sacos de roupa para emprestar. Sacos de coisas para a cave. Sacos de coisas para o lixo. Tanta tralha. Ao fundo, uma mochila olha para mim desanimada, encostada à parede. O rato Mickey está para ali tombado para o lado com as suas mãozinhas insistentes. As plantas cheias de sede. O meu filho cheio de ranho. Eu cheia de sono. O meu cabelo tão fora do controlo, tão desgovernado, coitado. Eu sou uma balbúrdia por dentro e por fora. 
Ainda assim, ao longe, no fim da tralha, no fim de tudo, há sempre aquela esperança. Uma esperança pequenina largada a um canto. Uma esperança, também ela, desordenada. Com uma voz muito fininha. A dizer baixinho: um dia havemos de dar a volta a isto. Eu, ele, nós, eles. 
Quem sabe. Talvez. Quiçá. Um dia destes. No fim de semana. Ou então na próxima semana. Ou nos feriados de novembro. Num futuro próximo, decerto. Mas hoje não. Hoje olhei para a escultura minorca que mora em cima da lareira e fiz como ela. 



Fechei os olhos a esta balbúrdia e fiquei por aqui a escrever sobre isso. A escultura chama-se "Preguiça" e vem assinada: J. R. Não faço ideia quem seja esta pessoa. É pena. 
Bocejo e deixo-me ficar nesta lerdice pegada. A máquina da roupa chega ao fim do ciclo e apita, mas eu não ouço. Eu não moro nesta casa. Estou distraída a escrever este texto. 
Eu vivo de lirismo e fantasia. 
Eu escrevo para arrumar a cabeça. 
Para dar sentido aos dias. Para fugir. 
Para existir. 
Para chegar a casa.