segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Vergílio Ferreira

Era domingo. Eu estava a ler Vergílio Ferreira.
Um livro urgente. Entre a capela e o mar. Entre a vida e a morte. Até ao fim.
As páginas meio surradas, a esfarelar. Coitadas.
De repente, uma frase deslumbrante sobre o mar. E logo a seguir outra.
Eram frases gigantes, dramáticas. Poderosas.
Fiquei a vê-las chegar. Uma frase aqui, outra ali.
Lá vinha mais uma. Alta e cheia. Em estado líquido.
Rebentavam na cabeça uma e outra vez.
Como ondas.
A certa altura decidi agarrá-las. Eram frases reais. Tinham pele e cheiro. Poderiam morrer a qualquer momento. Estavam vivas.
Vai daí, copiei-as para um caderno com a minha letra ridícula. E elas ficaram dentro de uma página, a secar.
No final reli essas frases e achei que deviam existir assim. À toa e à solta.
Como poemas. Como mergulhos.
Como ondas. Assim:





















Ouço o mar, é tudo grande e terrível.

Olho o mar ainda, fascinado pelo seu mistério, de que nasce o seu mistério?

Ouço-o na sua massa pesada e escura, retumba no oco do pavor.

E o rumor imenso do mar. Alargado a todo o espaço, mais intenso, exclusivo na solidão do amanhecer. Ouço-o. Pequeno eu face à sua imensidão.

Mas é preciso prestar atenção para o ouvir, no seu rumor implícito como o da harmonia das esferas.

Fresco de brisas o mar, estendo-o ao meu olhar difuso cansado. A verdade primeira. A verdade do início.

O sol vibra à superfície das águas. Um aroma a maresia. Um aroma a existir.

Gostava tanto do mar. Da força repousada do mar. Da música gigante do mar.

A verdade do mar.

O estrondo rouco do mar.

Absorver em nós a imensidão.

O mar deserto até ao limite do poente.