Ontem desceu aquela chuva miudinha.
Uma chuva quase nada, ligeirinha, molha-tolos.
Tinha saudades dela.
Fico a vê-la pousar.
E não abro um guarda-chuva contra a morrinha.
Não enfio o barruço. Não vale a pena.
A chuva miudinha está em todo o lado.
É um pequeno feitiço a prolongar o dia.
Divirto-me a apanhar as gotas com os dedos e com a boca.
Os pingos esvoaçam por aí como insetos.
Ficam a cair devagarinho com a noite demorada.
Eu própria fico tola e miudinha.
Tenho as mãos frias e gretadas. Doem-me.
São as feridas minúsculas deste inverno.
Chego a casa e faço chá de lúcia-lima.
Escrevo miudinho no meu caderno de inverno.
Palavras minúsculas.
Qualquer coisa que vi, qualquer coisa que ouvi.
A cidade sempre muito escura e fria.
A temperatura rasteirinha.
Escrevo sobre a chuva miudinha, por exemplo.
Palavras quase nada, ligeirinhas, molha-tolos.
A esvoaçar no meu caderno como pequenos insetos.
Não há nada como escrever no inverno.
Contra o frio. Contra a escuridão. Contra a noite demorada.
Tenho as mãos gretadas e a língua dormente.
Queimo sempre a língua a beber chá.