terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Chuva miudinha

Ontem desceu aquela chuva miudinha.
Uma chuva quase nada, ligeirinha, molha-tolos.
Tinha saudades dela.
Fico a vê-la pousar.
E não abro um guarda-chuva contra a morrinha.
Não enfio o barruço. Não vale a pena.
A chuva miudinha está em todo o lado.
É um pequeno feitiço a prolongar o dia.
Divirto-me a apanhar as gotas com os dedos e com a boca.
Os pingos esvoaçam por aí como insetos.
Ficam a cair devagarinho com a noite demorada.
Eu própria fico tola e miudinha.
Tenho as mãos frias e gretadas. Doem-me.
São as feridas minúsculas deste inverno.
Chego a casa e faço chá de lúcia-lima.
Escrevo miudinho no meu caderno de inverno.
Palavras minúsculas.
Qualquer coisa que vi, qualquer coisa que ouvi.
A cidade sempre muito escura e fria.
A temperatura rasteirinha.
Escrevo sobre a chuva miudinha, por exemplo.
Palavras quase nada, ligeirinhas, molha-tolos.
A esvoaçar no meu caderno como pequenos insetos.
Não há nada como escrever no inverno.
Contra o frio. Contra a escuridão. Contra a noite demorada.
Tenho as mãos gretadas e a língua dormente.

Queimo sempre a língua a beber chá.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

To kill a mockingbird

Atticus said to Jem one day, "I’d rather you shot at tin cans in the backyard, but I know you’ll go after birds. Shoot all the blue jays you want, if you can hit ‘em, but remember it’s a sin to kill a mockingbird." That was the only time I ever heard Atticus say it was a sin to do something, and I asked Miss Maudie about it. "Your father’s right," she said. "Mockingbirds don’t do one thing except make music for us to enjoy. They don’t eat up people’s gardens, don’t nest in corn cribs, they don’t do one thing but sing their hearts out for us. That’s why it’s a sin to kill a mockingbird.

To kill a mockingbird, Harper Lee

sábado, 20 de fevereiro de 2016

O Nome da Rosa

Li O Nome da Rosa quando ainda não tinha bem idade para ler O Nome da Rosa. 
Ou seja, foi na idade certa. Fiquei logo a perceber o poder da literatura errada. 
Demorei-me várias semanas no século XIV a percorrer o labirinto daquele mosteiro. 
Lembro-me bem dos monges copistas. Daquela moça na cozinha. E, acima de tudo, da biblioteca proibida, no último andar, onde moravam os livros mais perigosos de todos, que se riam sozinhos. 
Os monges diziam-me: Cuidado com a literatura, pequena. Os livros errados provocam o riso e também a morte. No riso está a perversão e o demónio. 
Não te rias, pequena.
Cedo compreendi que os livros também matam. Que a comicidade é uma arma perigosa. 
Com o Umberto Eco aprendi o prazer da leitura. 
Aprendi a cair em tentação.
E a morrer a rir.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Supergigante no Concurso Nacional de Leitura

A 10.º edição do Concurso Nacional de Leitura já corre a toda a velocidade.
O concurso é promovido pelo Plano Nacional de Leitura (PNL), em articulação com a Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), o Instituto Camões e a RTP.

Soube há pouco, poucochinho, que o Supergigante foi uma das obras selecionadas para as provas distritais do Porto (3.º ciclo). O Edgar desatou a correr e gritou: "Bibó Porto, carago!"

[Atualização: Entretanto soube que o Supergigante também vai marcar presença nas provas distritais de Coimbra e de Bragança. Que grande correria!]

A todos os concorrentes, boas leituras e... boa corrida.
Não percam o fôlego!


terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Don Draper

Saudades do Don Draper.
Um dia destes ainda me apanho a ver a série toda outra vez.
De vez em quando penso nele. Como se fosse uma pessoa de verdade. Como se fosse um amigo. Um colega. Mas não um amante.
Não?!
Não.
Estou sentada num sofá a fazer não se sabe bem o quê. Talvez a matutar, a magicar, a conspirar.
Ou nem isso.
Estou para ali assim, pousada sobre as minhas confortáveis nádegas e lembro-me do Don Draper, esse homem criativo, déspota pedante, que trata mal todos os homens, todas as mulheres e demais seres vivos.
Aaah! O Don Draper.
Tenho saudades dos nossos momentos a dois, eu e ele naquele escritório da Sterling Cooper. Ele olhava para a janela de cigarro em punho e eu olhava para ele.
O rosto do Don Draper. Muito quieto e impenetrável.
Estamos ali os dois, a pensar naquelas coisas banais, como o sentido da vida ou o caminho para a felicidade, e não acontece propriamente nada.
Não há uma ação, um diálogo, um romance.
Os nossos pensamentos passam um pelo outro sem fazer barulho.
São pensamentos discretos, quase não existem. Ardem na ponta dos dedos, como cigarros.
E, de vez em quando, eu olho para o Don e tenho vertigens.
Não sei porquê.
Deve ser aquele perfil sólido e, ao mesmo tempo, perigoso.
O Don Draper parece um penhasco e eu, de tanto olhar para ele, fraquejo.
Ainda assim, tenho saudades dele.
Desse perigo iminente.
Desse Don Draper arrogante e vigarista, grande impostor, apanhado do clima.
Esse homem devasso e cínico. Depravado. Engenhoso. Incorreto.
Secreto. Soberbo. Retrógrado. Vagabundo. Hostil.
E, apesar disso, metódico. Corpulento. Inventivo. Valente.
E justo.
Frontal. Combativo. Brilhante.
Aaah! O Don Draper.
Grande sacana.