segunda-feira, 15 de julho de 2013

Um pombo morto


Hoje passei por um pombo morto.
Estava no meio do passeio, a cabeça tombada para o lado e o bico entreaberto. A meio de uma frase, de uma palavra.
Se calhar era um pombo-correio e nunca chegou ao destinatário.
Fiquei tristonha. 
Percebi que estava tristonha porque antes estava feliz e dei logo pela diferença. 
(Antes do pombo = feliz; depois do pombo = tristonha)
Uma pena abanava o vento.
Não, perdão. Ao contrário: 
O vento abanava uma pena.
Parecia um aceno, um voo de despedida. Uma pena pequenina numa das asas.
Tadinho, tive pena do pombo.
(Olha, «pena» e «pena» são palavras homónimas.)
Logo eu, que por acaso odeio pombos, odeio pessoas que alimentam pombos. Os pombos têm cara de parvos.
Se houvesse um desporto de «tiro ao pombo», eu inscrevia-me e vestia-me assim à coronel tapioca. Com uma pressão de ar nas mãos, de enfiar a bala lá dentro. Apontar, suster a respiração, disparar: PUM!
Quando passo por pombos, aponto e sustenho a respiração. Infelizmente não disparo, porque não tenho licença de porte de arma e eu não faço nada fora da lei, sigo as regras todas. 
Sou um bom soldadinho, acho.
Quando estou dentro de um carro e os pombos andam assim feitos parvos a bicar a estrada, solto uma gargalhada de bruxa má e ponho o pé na tábua. Zás! Faço grandes rasas aos pombos, mas acho que o meu objetivo não é matá-los. (Acho.)
É muito chato isto de morrer, de chegar ao fim do corpo. Fiquei mesmo com pena do pombo.
(Ah, que engraçado: «pena de morte» é outro tipo de pena.)
Depois apercebi-me de que o pombo, assim tombado para o lado, até era bonito. Na verdade, era lindíssimo e essa beleza feia de voo interrompido emocionou-me.
A beleza cruel do cadáver.
Depois segui caminho e pensei que os pombos são muito mais bonitos quando estão mortos do que quando estão vivos. Quando andam assim cheios de vida a criar imundície em cima das estátuas, não têm piada nenhuma. São horríveis.
Agora fiquei com a pressão de ar na cabeça.
(Memórias de infância: Eu era sempre a última a disparar a pressão de ar. Acho que era por ser a mais pequenina.)
Se houvesse um campeonato de tiro ao pombo, inscrevia-me nos campeonatos da região flamenga e não nos da região francófona, porque os francófonos são moles, não devem dar luta nenhuma.
Nunca tentei disparar contra animais a sério. Daqueles assim com asas. 
PUM!
Era vê-los rebentar, penas por todo o lado.
BUWUWUWAHAHAHA (bruxa má).

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Líricos, porcos e rascos


Relativamente a este presente sem futuro, penso que a proposta do Cavaco Silva de juntar os três porquinhos na mesma casa até faz sentido, apesar do lirismo da coisa. Por vezes, o lirismo faz sentido. Assimcomoassim, a alternativa era fingir que havia alternativa. Os três porquinhos, que tanto chafurdaram na lama, que se cheguem à frente e cumpram a sua parte. É a única maneira de tratar os porquinhos como porcos crescidos, que é o que eles são. Eles que enfrentem o lobo mau e que prestem contas apontando o focinho, não para as próximas eleições, mas para o futuro a longo prazo.
E era só isto que eu tinha para dizer sobre este assunto.
Ah! A propósito de futuro, gostava só de acrescentar que, às vezes, para me distrair, imagino uma pessoa do futuro a olhar para o presente e isso funciona sempre, porque efetivamente distraio-me e, nos dias melhores, farto-me de rir.
Por exemplo, eu acho que uma pessoa do futuro ia ter um ataque de riso de ir às lágrimas se (ou)visse um discurso do Cavaco Silva, porque a voz e a postura do Cavaco Silva, para uma pessoa - digamos - do século XXII, devem fazer lembrar a voz e a postura de uma marca de robôs muita rasca, que um dia (no futuro do futuro) se tornará vintage, mas na atualidade do futuro é só uma marca muita rasca de mandar para a sucata e isso deve ser cómico, especialmente se o emissor for um Chefe de Estado. 
E então pus-me a pensar que se calhar o Cavaco Silva é mesmo um robô muita rasca que veio do futuro mais ou menos próximo com uma missão qualquer que nós ainda não percebemos qual é e isso dá-me logo vontade de rir outra vez, o que é muito infantil da minha parte, eu sei, tendo em consideração que a crise política em Portugal é um assunto extremamente sério.
E portanto, olhem, acabou-se a brincadeira.
Nunca mais brinco.


NUNCA MAIS.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Um homem zangado

Abrem-se as cortinas. Entro no elevador.

Um homem muito zangado entra logo a seguir. Fecham-se as cortinas.

Conheço este homem há anos, mas só de vista.

Não sei como se chama nem o que faz. Sei que é italiano e agora também sei que trabalha no nono andar, porque o senhor carrega no botão com o bonequinho 9.

Eu olho para o colega zangado, mas ele não olha para mim, porque a minha existência é toda ela insignificante e o homem está zangado com a vida em geral e com a minha existência em particular. Olho para o senhor outra vez e ele dá um toque de sobrancelhas género: Nunca viste, ó?!

Eu nunca vi pessoa tão zangada como este colega. É uma pena este senhor andar tão insatisfeito, parece-me um desperdício de paisagem protegida. É que este italiano é uma paisagem natural bem bonita de se ver, tem uns olhos grandes e azuis para dar uns mergulhos no verão e uns ombros largos que devem fazer boa sombra. Assim, a olho nu, não tem propriamente razão para estar tão insatisfeito, até porque as pessoas zangadas costumam ser muito feias. Eu, por exemplo, se fosse muito feia, também andava para aí zangada. Deve ser chato ser muito feio.

Eu e o colega italiano voamos juntos, lado a lado. O colega não diz Bom dia!, mas eu não levo isto a peito. Parece-me na verdade bastante coerente, tendo em conta o perfil deste ser humano zangado: nenhum dia é um bom dia. São todos péssimos, uns atrás dos outros, não há dia que se aproveite. Eu também não digo Bom dia!, só mesmo porque sou mal-educada. Eu e o homem zangado voamos em silêncio, não olhamos um para o outro. É como se um de nós não existisse. Ou eu ou ele, não sei bem.

O homem olha-se ao espelho e ajeita a gola da camisa. Eu olho para os meus pés, porque os meus pés são realmente impressionantes e estas sandálias são qualquer coisa.

0, 1, 2, 3, 4, 5, 6 andares. As cortinas abrem-se e eu saio. O homem carrega imediatamente naquele botão assim  -><- de fechar as cortinas rapidamente, porque a vida são dois dias horríveis e não há tempo a perder. As cortinas fecham-se abruptamente. Eu fico triste e zangada com o homem zangado.

O colega italiano deve ganhar sempre o jogo do sério: nunca se ri. Vejo-o muitas vezes aqui e ali: na cantina, na cafetaria, nos corredores, no elevador. Nunca está contente. Quando fala com alguém atira os olhos azuis para dentro dos olhos do interlocutor e já não sai mais dali: refila, refila, refila, todo curvado para a frente e agarra o interlocutor pelo braço, dá-lhe palmadas nos ombros.

Uma vez, aqui há uns anos, estivemos na mesma turminha de neerlandês e o colega zangado não andava só zangado com a língua neerlandesa. Andava furioso. A professora dizia: A regra, neste caso, é assim. E ele respondia: Isso não faz sentido. A mim dava-me para rir, mas o colega zangado não se ria. Dava-me um toque de sobrancelhas do género: Não tarda, levas! E eu ria-me na mesma, porque gosto de correr riscos.

É mesmo uma pena este colega andar mal com a vida, porque o senhor tem grande potencial para um intervalo coca-cola light bem passado. Mas assim não vai dar. Aliás, por esta altura, o homem zangado deve ter imensos problemas de costas, porque anda sempre muito tenso e isto agora já não vai lá com uma massagem nem com um banho de imersão.

Ficamos todos a perder com a zanga deste homem.

Eu pessoalmente já perdi vários intervalos bem passados.

Uma chatice.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Um desenho espectacular

- Olha, Rodrigo, estava aqui a pensar fazer um desenho espectacular.
- Faz.
- Mas mesmo espectacular.
- Sim.
- Assim muita difícil.
- Faz.
- O que queres que eu desenhe? Pode ser o que tu quiseres! Pensa bem...
- Hmmmm... [O Rodrigo pensa.]
- Mesmo o que tu quiseres!
- Um esgoto!
- Um esgoto?!
- Sim, um esgoto. É difícil!
- Não é, não!
- É é!
- Vou fazer. Olha um esgoto.
- Isso não é esgoto!
- Não?!
- Não. Isso é uma ventania!
- Pois é. Vou então fazer um esgoto.
- Não! Faz uma ventania.
- Mas eu já fiz uma ventania!
- Faz outra!
- Outra ventania?
- Sim. Ou então um cocó.
- Um cocó?!
- Sim, faz um cocó. É fácil!
- Achas?
- Sim.
- Sabes fazer?
- Sei.
- Como é que é?
- É assim. [O Rodrigo desenha uma linha na horizontal.]
- Isso é um cocó?
- Sim. É fácil!

Blogueira belga

Era uma vez uma blogueira belga. Para o caso de não saberem, a blogueira é uma espécie de árvore de folhas caducas, em geral, de pequeno porte, oriunda do hemisfério norte. A flor de blogueira é bem boa para fazer chá ou então para temperar vitela. O fruto da blogueira chama-se blogue. Trata-se de um fruto espalmado que pode ter várias cores. Os mais saborosos são amarelos. Os mais nanhosos têm muco e são verdes. Há também blogues castanhos e outros pretos, mas estes têm caroço e vontade própria. Às vezes mordem, o que pode ser perigoso. Há quem coma blogues crus, mas eu por acaso prefiro blogues maduros. É uma questão de gosto. Mas então, voltando ao que eu estava a dizer: Era uma vez uma blogueira belga que morava numa praceta há coisa de quinhentos anos e ultimamente os dias eram sempre iguais, porque a blogueira, além de não ter pernas para andar, vivia na Bélgica, que é um país extremamente aborrecido com uma família real tão nhonhó que só muito raramente é notícia. Ora, um dia, há precisamente seis anos, a blogueira belga acordou bastante zangada, porque estava cheia de pássaros na cabeça e isso dava-lhe imensa comichão. Além disso, andava farta de apanhar com chuva em cima. Sentia que a sua vocação não era aquela, de estar assim no meio da praceta de braços abertos como um espantalho. E então, de súbito, para exercitar os braços e libertar a energia negativa, pegou num blogue amarelo e vicoço e atirou-o contra uma rapariga que ia a passar. A blogueira escangalhou-se a rir, porque a transeunte levou mesmo com o blogue nas trombas. Era uma jovem rapariga que, nesse instante, estava precisamente de trombas, mas ganhou logo outro ânimo quando olhou para o blogue que lhe tinha ido parar aos braços. Inspirada por aquele amor de água fresca, a rapariga pegou, trincou e meteu-o na cesta. O blogue, de início, quis apodrecer e morrer de vez, mas depois lá se habituou à tal água fresca e ganhou vida. 
Isto para dizer que esse blogue chamado Belgavista faz 6 anos hoje. 
A blogueira, não sei, porque nunca mais passei nessa praceta, mas creio que deve ter morrido de tédio pouco tempo depois.