Um dia destes fartei-me do meu joelho direito. Vinha no táxi a caminho de casa, e quando olhei para ele, achei-o horrível. Vinha inchado como um sapo e tinha vários cortes na cara. Além disso, era um verdadeiro emplastro, não servia para absolutamente nada.
Nessa altura arrependi-me de várias coisas. Na verdade, de uma só coisa.
Do karaté.
A bem dizer, se não tivesse feito karaté, talvez nunca chegasse a ser operada ao joelho.
Pus-me então a imaginar vidas alternativas para o meu joelho direito, que parecia agora um sapo: natação, equitação, bodyboard, ginástica rítmica, bowling, parapente...
A viagem chegou ao fim, saí do táxi.
O taxista ralhou-me, disse-me não-sei-o-quê da tinta nova e eu pedi muitas desculpas (desolada), expliquei que não era fácil controlar várias pernas ao mesmo tempo. Fui para casa, pé ante canadianas. A esta altura o meu joelho direito coaxava qualquer coisa ao meu ouvido e eu calei-o com um saco de gelo assim que cheguei a casa.
Liguei o computador, li os e-mails.
Pouco tempo depois soube que o meu trabalho com o inacreditável título O Caderno Vermelho da Rapariga Karateca tinha conquistado o Prémio Branquinho da Fonseca 2011 na categoria de literatura juvenil.
Pausa.
Olhei para o meu joelho direito, mas não consegui olhar para ele por causa do saco de gelo. Debrucei-me sobre o meu joelho, libertei-o do gelo e dei-lhe um beijinho.
Ao contrário do que se podia esperar, o meu joelho direito não se transformou num príncipe. Ficou tal como estava, muito sapudo, as bochechas vermelhas cheias de ar e cicatrizes.
Pensei um pouco sobre poucos assuntos: a ficção e a realidade, o karaté, as vidas alternativas, o Branquinho da Fonseca, a literatura juvenil, O Caderno Vermelho da Rapariga Karateca.
Concluí que, se não tivesse feito karaté, nada disto teria acontecido.
Não era uma conclusão brilhante, é certo, mas era uma conclusão possível.
O meu joelho direito olhava para mim todo inchado e eu já não o achei tão feio.
Depois fui fazer pipocas e estive a ver um filme do Bruce Lee.