O narrador deste texto anda interessado em raparigas muito magras que não sorriem e têm dentro da mala um saquinho de pano que utilizam para ir às compras. Há muitas raparigas assim nesta cidade, por isso o narrador coloca-se estrategicamente na porta de saída do supermercado para as ver passar.
Não precisa de esperar muito tempo, porque já ali vem uma a dobrar a esquina.
Descreve-a no seu bloco de notas: uma certa falta de cadência nas ancas, um rosto desinteressante como um sinal de trânsito.
A rapariga passa pelo narrador e não deixa nenhum rastro, nenhuma pegada, nenhum perfume. Entra agora no supermercado com o mesmo que ar com que entraria numa repartição de finanças, sem especial interesse. Deambula pelos corredores sem olhar para as prateleiras, sabe exactamente o que quer. Tira cinco coisas para o cestinho, não mais, e encaminha-se agora para as caixas. Respeita a fila educadamente, o rosto igual a um sinal de trânsito, o corpo muito magro, exibindo ossos. A alma escondida atrás de tudo isto a fazer não se sabe o quê.
Tira cinco coisas do cesto: um pacote de quatro iogurtes magros, uma alface, um saco transparente com cinco cenouras lá dentro, uma caixinha com três fatias de queijo e uma pasta de dentes. Não fica muito tempo à procura do seu saquinho de compras, sabe exactamente onde está. As cinco coisas cabem perfeitamente no saquinho de pano que traz dentro da mala. Os seus dedinhos mexem-se com sonolência, sem apetite.
Sai do supermercado, ainda o mesmo ar de repartição de finanças.
O narrador deste texto continua a tirar notas, mas está tão interessado nesta rapariga muito magra que acaba de ter uma erecção ao vê-la passar.
Este fenómeno é único, porque nenhum outro homem tem erecções quando vê esta rapariga passar.
Ora, o narrador deste texto é, claramente, muito mais interessante do que a rapariga com saquinho de pano.