Tenho olhado mais para cima. Céu, nuvens, árvores, chaminés.
Não vejo nada. Não sei nada. É muito chato estar presa ao chão.
Atravesso a atmosfera dentro da cabeça. Lua, Marte, cinturão de asteróides, os últimos astros do sistema solar: Urano, Neptuno, Plutão.
A Voyager 1 continua o seu percurso pelo Espaço. Começou a sua viagem há quase 47 anos. Eu faço hoje 43.
Olho para baixo, deslizo pelas notícias. Não há palavras para a catástrofe humana.
Vou buscar os meus filhos. Três projetos de homem. Levo-os ao parque. Um deles quer arrancar um ramo da árvore. Explico-lhe que todas aquelas árvores já cá estavam antes de nós.
Os outros dois fazem um castelo na areia. O terceiro aproxima-se e manda tudo abaixo. Zangam-se entre eles. O destruidor leva com areia na cara. Zango-me com todos. Pedem desculpa, vai cada um para seu lado.
Olho para cima. A distância atrai-me. Às vezes tiro fotografias. Não há nada de metafísico neste exercício. Não procuro o milagre nem o sobrenatural. Pelo contrário.
Sinto o sol na pele. Apanho uma bolota.
No regresso a casa, o mais velho quer saber por que razão já não existem faraós. Falamos do fim das civilizações. Digo-lhe que, se fizermos um buraco, vamos encontrar um sarcófago. Ele ri-se de mim. “O Egito não é aqui, mamã!” Digo-lhe que, um dia, este prédio também vai deixar de existir, que haverá outros edifícios, outras pessoas.
Está muito calor na sala. Fecho as cortinas. Um deles vem comigo regar as plantas. Um dos mais novos faz um desenho muito bonito do Sistema Solar.
Somos da Terra e do Sol. Não há volta a dar.
É possível destruir. É possível construir. Ou seja, há vida depois da morte. Tudo importa. Absolutamente tudo. O chão, o céu, as árvores, os astros, os anos.
Ainda estamos aqui.