quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Tchim-tchim, tchim-tchim

O mais velho para mim: “Mamã, os manos estão sempre a conversar.” 


É verdade. 


Brincam durante horas. Falam, falam, falam. Às vezes um faz de bebé ou então de animal em apuros. “Sou um tigre criança, estou perdido.” O outro ajuda-o. “Queres viver comigo?” “Está bem.” 


De súbito há uma reviravolta no enredo. Por exemplo: “Olha! É o nosso foguetão!“ E o outro: “E agora vamos para a Lua.” Andam de um lado para o outro. Descobrem um esconderijo. Decidem que aquela vai ser a sua casa. “É a nossa casa”, diz um. E o outro: “Sim. É a nossa casa.” Ficam bastante tempo a preparar as suas camas. 


Anunciam que vão dormir no seu esconderijo. “Mamã, podemos dormir aqui esta noite?” 


Aqui: no parque infantil, no chão da sala de estar, no relvado da piscina, no meio do bosque. Sim, sim, podem dormir aí.


Eles pedem-me água e comida para não passarem fome nem sede durante a noite. Eu arranjo-lhes água e comida. Depois discutem a questão do frio. Digo-lhes para se taparem com a manta do sofá ou a toalha de praia ou a manta de piquenique, o que estiver à mão. Eles ficam felizes com as suas caminhas. Levam livros e brinquedos para a sua casa nova. Também levam pratos e copos, fingem que bebem café, fazem tchim-tchim. 


Depois um deles distrai-se e abandona a história. “Já não quero brincar mais a isso.” O outro fica furioso. Barafusta. Dá ou leva um estalo, o outro empurra de volta, alguém cai no chão. Choram os dois, falam ao mesmo tempo, não se percebe nada do que dizem. É preciso separá-los. Lágrimas longas e grossas. Um diz: “O mano não quer brincar comigo”. E o outro: “Eu não quero brincar mais.”


Percebo o sofrimento de um e a fartura do outro. Chegaram juntos a este mundo. O que acontece a um, acontece ao outro. Cai um dente a um, cai um dente a outro. Um faz anos, o outro também. Entraram juntos na creche. Entraram juntos na escola. Contam segredos, fazem promessas. Um quer muito aprender a ler. O outro só quer correr e saltar.


Chegam a todo o lado com aquele ar perdido de quem entra numa floresta. Dão as mãos, avançam juntos. Têm-se um ao outro. Nunca estão sozinhos.


Os meus dois tigres criança. Os dois muito iguais mas diferentes. Amiguinhos mas adversários. Carinhosos mas severos.


Fazem hoje 6 anos. Fiz um bolo para cada um. O primeiro saiu-me bem. O segundo queimou-se. Fiz então um terceiro, que também se queimou ligeiramente. 


O bolo mais queimado ficou em casa. Comi duas fatias logo pela manhã, uma por cada filho. 


Hoje é tudo a duplicar. Ou a triplicar. É tudo à grande.


Parabéns, parabéns, parabéns, parabéns.

Bolo, bolo, bolo, bolo.

Tchim-tchim, tchim-tchim, tchim-tchim, tchim-tchim.



sexta-feira, 8 de agosto de 2025

43

Tenho olhado mais para cima. Céu, nuvens, árvores, chaminés. 

Não vejo nada. Não sei nada. É muito chato estar presa ao chão. 

Atravesso a atmosfera dentro da cabeça. Lua, Marte, cinturão de asteróides, os últimos astros do sistema solar: Urano, Neptuno, Plutão. 

A Voyager 1 continua o seu percurso pelo Espaço. Começou a sua viagem há quase 47 anos. Eu faço hoje 43.

Olho para baixo, deslizo pelas notícias. Não há palavras para a catástrofe humana.

Vou buscar os meus filhos. Três projetos de homem. Levo-os ao parque. Um deles quer arrancar um ramo da árvore. Explico-lhe que todas aquelas árvores já cá estavam antes de nós.

Os outros dois fazem um castelo na areia. O terceiro aproxima-se e manda tudo abaixo. Zangam-se entre eles. O destruidor leva com areia na cara. Zango-me com todos. Pedem desculpa, vai cada um para seu lado.

Olho para cima. A distância atrai-me. Às vezes tiro fotografias. Não há nada de metafísico neste exercício. Não procuro o milagre nem o sobrenatural. Pelo contrário. 

Sinto o sol na pele. Apanho uma bolota.

No regresso a casa, o mais velho quer saber por que razão já não existem faraós. Falamos do fim das civilizações. Digo-lhe que, se fizermos um buraco, vamos encontrar um sarcófago. Ele ri-se de mim. “O Egito não é aqui, mamã!” Digo-lhe que, um dia, este prédio também vai deixar de existir, que haverá outros edifícios, outras pessoas. 

Está muito calor na sala. Fecho as cortinas. Um deles vem comigo regar as plantas. Um dos mais novos faz um desenho muito bonito do Sistema Solar.

Somos da Terra e do Sol. Não há volta a dar. 

É possível destruir. É possível construir. Ou seja, há vida depois da morte. Tudo importa. Absolutamente tudo. O chão, o céu, as árvores, os astros, os anos. 

Ainda estamos aqui.