Cartoon do Hugo van der Ding |
Não tirei tantas fotografias aos meus filhos. Não li muito.
Os mais novos largaram as fraldas. Fizeram 3 anos. Começaram a ir à escola.
Voltei a cozinhar. Voltei a ir ao ginásio.
Compramos uma figueira e uma laranjeira. Morreram as duas.
Fui às urgências com dificuldades respiratórias. Não era covid. Era uma pneumonia.
Li Ana Margarida de Carvalho, Manuel Vilas, Jane Lazarre, Adília Lopes.
Fiz 40 anos. O Gilberto Gil fez 80. A Gertrude Stein morreu há mais de 70. Este verso dela: “Sugar is not a vegetable”. Adoro a Gertrude Stein e adoro açúcar e adoro alguns vegetais, sobretudo os subterrâneos e obscuros. Batata, alho, cebola, rabanete.
O autoclismo deu o berro.
Perdi os meus óculos escuros, que eram redondos e graduados. Perdi o cartão do cidadão. Comecei a usar batom.
Tirei uma selfie com a Capicua. Descobri o trabalho do Hugo van der Ding.
Tive uma quebra de tensão num dia de calor. Deitei-me na calçada. Várias pessoas ofereceram ajuda.
Regressei às urgências com dificuldades respiratórias. Já não era pneumonia. Era covid.
Compramos um beliche para o quarto dos rapazes.
Um dos meus filhos partiu o candeeiro da sala. Arranjamos outro. Partiu esse também. Não arranjamos outro.
Tomei nota de algumas frases dos meus filhos:
A boca tem um buraco. O fogo é dos bombeiros. Eu gosto de ti todos os dias. Isto é um planeta e nós estamos no espaço.
Li um conto do Sandro William Junqueira, em que um homem pesaroso parece andar sempre com uma jiboia aos ombros. Esta imagem tem-me acompanhado estes tempos. Andamos todos com uma jiboia aos ombros.
Em 2023 só espero que ela não se enrole à volta do nosso pescoço.
Mais amor, menos guerra. Mais poesia, menos futebol. Aquelas coisas.
Bom ano, amigos! A esperança é sempre a última.