Um bebé ao colo, outro à solta, outro na cadeirinha.
Uma claridade ao fundo. Finalmente a manhã.
Mudo três fraldas. Preparo três biberões.
Ligo a máquina do café. O mais velho chora. Pouso o mais pequeno na outra cadeirinha. Pego no mais velho. Reparo que tem as unhas muito compridas. A ver se as corto hoje.
Um corvo a crocitar algures. O meu marido no duche.
Faço café, faço torradas, faço festinhas.
Voltamos para a sala. O mais velho bebe o biberão no sofá. Um dos minorcas chora. Deve ter fome. Dou-lhe o biberão. Não quer. Abano a cadeirinha com o pé. Pára de chorar. Fica só assim, especado a olhar.
Bebo o café num trago. Queimo a língua. O mais velho chama-me. Está escondido na tenda. Vou ter com ele. Brincamos com os carros. Eu tenho um carro, ele tem outro. Passamos com os carros por baixo da ponte. Vrum, vruuuum. Ele grita de felicidade. Os minorcas choram.
Saio da tenda com alguma dificuldade. Tenho a perna dormente e as costas feitas num oito. Pego num dos minorcas. Acalma-se imediatamente. O segundo continua a chorar. Abano a cadeirinha com o pé. Continua a chorar. Pouso o outro. Pego no mais pequeno. Tem cocó. Mudo-lhe a fralda ali mesmo, no sofá.
O mais velho vai buscar o livro com as canções do mar. Canto três vezes a canção dos peixinhos e mais umas três vezes a canção da baleia.
O minorca que ficou na cadeirinha chora. Esfrega os olhos. Pouso o do cocó que já não tem cocó e embalo o outro no colo. O do cocó sem cocó choraminga mas aguenta-se.
O minorca que está ao colo adormece, mas acorda logo a seguir com os gritos do mais velho. Embalo-o outra vez. Adormece. Saio da sala a correr. Não quero que o mais velho venha atrás de mim. Sou uma mãe em fuga. Reparo que as minhas mãos tresandam a cocó. Pouso o bebé no berço. Acorda imediatamente. Espeto-lhe a chucha na boca. Adormece. Saio do quarto a correr. À saída ouço o início de um choro, mas fujo a tempo. Sou uma mãe em fuga. Lembro-me de súbito que o bebé não comeu. Vai dormir pouco. Paciência.
Volto para a sala.
O mais velho quer brincar na cozinha dele. Diz: “Anda”. Eu vou. A meio do caminho pisa uma peça de lego e chora. Eu digo: “Pronto, pronto. Já passou.” A coisa passa.
Pomos a mesa para o Mickey e o urso azul. Dois pratos, dois copos e duas colheres. Fazemos massa com cebola e morangos. O meu filho ri-se à brava com a minha vozinha de Mickey. Reparo que fez cocó. Reparo também que debaixo da mesa de jantar está uma rodela de pepino que não é uma rodela de brincar, é uma rodela a sério. Está tão esparramada no chão que parece fazer parte do soalho.
O mais velho espirra. Atchim: um jato de ranho verde até ao queixo. O minorca que está na cadeirinha assusta-se com o espirro e chora. Verifico que a caixa dos lenços está vazia. Tiro um toalhete húmido. O minorca está inconsolável. Pego nele e ando atrás do mais velho para lhe limpar o ranho. Ele foge, diz: “não, não, não”. Roubo parte do ranho quando passa por mim mas não consigo tirar tudo.
O mais novo chora nos meus braços. Está todo bolçado. Limpo-o com uma fralda de tecido muito suja.
O mais velho brinca na sua cozinha. Bate na porta do microondas “Truz truz, quem é?” Eu rio-me e, por um momento, reparo que está tudo bem. Por um momento, um deles brinca, outro observa e o outro dorme. Mas sei que é só um momento. O mais velho tem cocó. Quando pousar o minorca, é possível que ele chore. O mais velho vai gritar e espernear quando lhe mudar a fralda. Em resultado de tudo isto, o bebé que está no berço vai certamente acordar.
Olho para o relógio. São oito e meia da manhã. O dia ainda é uma criança. Ou melhor: o dia ainda é um bebé de colo.
Penso naquela frase que as pessoas dizem: “Quem os fez que os ature.”
É bem verdade. Adoro a sabedoria popular. Quem tudo quer, tudo perde. Quem anda à chuva, molha-se. E sim, quem os fez que os ature. Mas estamos tão sozinhos nisto.
Penso nas mães que me dizem: “Aproveita agora.” Que me garantem: “Vais ter saudades.” Que lamentam: “Passa tudo tão depressa.”
Será que passa? Não parece.
Neste momento são oito e meia da manhã. E as noites nunca foram tão longas.
Estou sempre à espreita. Sempre alerta. Sempre à espera.
À espera que adormeçam, à espera que acordem, à espera que comam, à espera que arrotem, à espera que cresçam.
Ainda assim, o tempo passa.
Os minorcas fazem hoje seis meses. Não tarda, gatinham. Não tarda, vão pelo pé deles.
Quem não anda, desanda. Quem espera, desespera.
Acho que não vou ter saudades nenhumas disto. Destas noites de vigília, deste cheiro a cocó.
O mais velho vem ter comigo. Ainda tem a cara cheia de ranho. Quer que eu coma da colher. Eu como. Digo: “Mmmmmhh!”
Ainda não é hoje que lhe corto as unhas.
O minorca que está ao colo chora. Apercebo-me de que ainda não lhe dei o biberão.
Quem não chora, não mama.
Penso na rodela de pepino esparramada no chão. Penso na canção dos peixinhos. Penso neste tempo de espera.
Quem faz uma vez, faz duas e três.
Sou uma mãe em fuga. Tenho as costas feitas num oito. As minhas mãos cheiram a cocó. Mas enfim. Cá estamos. À espera que o inverno acabe. À espera que o tempo passe.
Não vou ter saudades nenhumas disto. Juro.
Nenhumas, nenhumas, nenhumas.
Estou aqui a tentar escolher um daqueles provérbios para acabar o texto.
Tenho este aqui: Quem mais jura, mais mente. E também este: Quem sai aos seus não degenera.
Mas acho que vou acabar assim: Quem muito ama, muito sofre. Ou então assim: Quem não se sente, não é filho de boa gente.