Que nice! “Aqui é um bom lugar” pousou na Revista Blimunda da Fundação José Saramago.
Crítica de Andreia Brites.
“Como se lê este livro? Fragmentário, com pouca progressão narrativa, avança no tempo, na cronologia e consequentemente na biografia da narradora, Teresa Tristeza (para rimar). Teresa escreve e ilustra, às vezes a si própria, às vezes quem a rodeia, e ainda o espaço. Será este um modelo de diário de uma adolescente no século XXI, quando os adolescentes deixaram de escrever diários? Tem ou não este objeto (aceitando o pacto ficcional) as condições para ser catalogado ou considerado um diário?
Teresa desabafa, comenta, parafraseia e reproduz ditos da mãe, muitos, e outros que ouve por aí. Logo no início do caderno esboça um conjunto de planos a cumprir até ao final do ano letivo, desejavelmente o último da escola secundária. Parece que, pela associação livre de ideias e estímulos que a levam ao texto, Teresa diz pouco. Ao contrário. Apenas o faz por um caminho obtuso, mordaz, irónico, carregado de perspicácia e humor. É aliás nesse tom escrutinador de si própria que se reconhece a voz de Ana Pessoa.
Depois da torrente narrativa da carta de Mary John a Júlio Pirata, provavelmente o melhor livro juvenil português da década, a escritora tinha entre mãos a dura tarefa de manter a identidade, a qualidade literária, a frescura e originalidade. Conseguiu. Aqui há também o mérito da ilustração, da paginação e do próprio design que tornam todas as partes compósitas deste livro num corpo uno: o diário de Teresa Tristeza.
Joana Estrela capta a ironia com que a protagonista se representa pelo texto e logo lhe confere espaços de conforto no sofá, ecrãs que lhe devolvem o reflexo e a nós nos oferecem um retrato. Mais, acrescenta-se-lhe uma voz da imagem, já que a adolescente escreve e desenha. A leitura deste diário segue à letra o sentido de diário gráfico.
O puzzle não está completo, e o que existe basta para acompanhar o 12.o ano de Teresa, saber quem é a sua melhor amiga, descortinar ciúmes, atentar em insatisfações em relação ao seu corpo, comprovar tensões e afetos familiares, acompanhar novas descobertas e intuir, já no dealbar do ano letivo, que talvez paire um encantamento. A certeza da mudança também não fica por dizer.”
A Revista Blimunda #83/84 de abril/maio de 2019 está acessível aqui: