segunda-feira, 1 de maio de 2017

Mary John na Revista do Expresso

Na revista do Expresso desta semana saiu uma crítica à Mary John de José Mário Silva.
Ui! É toda uma fruição!






















Com “O Caderno Vermelho da Rapariga Karateca” (2012) e “Supergigante” (2014), Ana Pessoa abriu uma clareira na ficção portuguesa destinada a um público juvenil. O que a distingue é a forma orgânica como mergulha no universo mental dos adolescentes, captando-lhes os entusiasmos e idiossincrasias, as tristezas e as agruras típicas do processo de crescimento, dizendo as coisas como elas são, mas sem que os textos se tornem o mero retrato fotográfico de uma idade. Neles encontramos uma síntese, não apenas do que se altera à superfície (o corpo, a linguagem, a relação com os outros), também do que se passa dentro da cabeça (os dilemas, os medos, as dúvidas de uma personalidade em formação). O subtil efeito introspetivo é particularmente bem conseguido nesta história de uma rapariga que muda de casa, de cidade, de grupo de amigos, de amor, enquanto o seu próprio corpo se metamorfoseia. Maria João, a protagonista, escreve uma longa carta a Júlio Pirata, vizinho na praceta onde passou a infância. Ele foi a primeira paixão, deixada a meio, inconclusa, o fio do passado que é preciso cortar para seguir em frente. Mais do que uma novela epistolar, o livro acaba sendo um diário, porque a carta estende-se no tempo e engole a vida toda da rapariga, a sua procura de um lugar que seja seu, de uma voz, de um caminho. Ana Pessoa capta todas as reverberações deste processo de descoberta, com uma prosa rica, elástica, de fôlego romanesco, não deixando de ser verosímil no tom, credível nos diálogos, e acessível aos leitores a que se destina (“maiores de 14 anos”, como se lê na contracapa). Aos adultos, a leitura também se recomenda, seja como regresso às respetivas adolescências, seja como exemplo de fruição literária.

José Mário Silva