quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O monstro onomatopeico

Nock, nock.
Quem é?
É o onomatopeico.
Quem?
Cof, cof! Peço desculpa. Estou constipado. Sou o monstro onomatopeico. 
Um monstro?
Sim. Faço Grrrr! e tenho garras. E pelo longo, mas sou friorento. No inverno, bato com os dentes e também digo Brrrr! como a Sadie Stein naquela crónica do Paris Review.
Mas você lê o Paris Review?
Sim.
Uh là là. Mas o que quer vocemessê?
Nada. Hoje está de chuva e a trovejar (Bruum!), mas nos dias bons, gosto de dar Chuac!, de fazer Zap!, de comer Crunch! e exclamar Hmmm!, de cair Zás! e Catrapás!
E no verão?
No verão gosto de ir ao Slide and Splash. De rir Hihihi! e Hahaha! De exclamar Wow! e também Yááá!
Yááá?!
Yááá! Ah! E também gosto de rir como a bruxa má: Wuhuhuwahaha!  Gosto de monstrinhos que dizem: Oops! e Babum! Não gosto de tik-tak nem que me digam: Shhhh!
E gosta de ler?
Sim. Gosto de livros onomatopeicos, como o Livro Clap da Madalena Matoso. Gosto de dizer Tcharam! quando acabo qualquer coisa, de comer Epás e de dizer Chiiiiiiii! e China pá!
E mais?
Gosto de ouvir o cri-cri dos grilos e o ão-ão dos cães. Gosto das campaínhas que dizem Ding! Dong!
Desculpe, mas você não parece um monstro.
Eu sei. Mas sou, só que digo Miau! e ronrom, não sou um monstro nada mau. Sou assim-assim. Às vezes sou um bocado zum-zum! E também mé-mé!
Aquela é a sua bicicleta?
Sim. Nas descidas faço Trim! e sigo Vruuum! Quando me aleijo, grito Autch! e às vezes Buááá! ou então Buééé! De resto, sou educado e asseado. Nunca digo Ufa! Nunca choro um Snif. E também não arroto um Burp.
E é um monstro de quê? De assustar as pessoas?
Não. Eu sou o monstro do Blargh! e do Bruuum! O meu nome é Crash! e o meu apelido é Buuu!
Crash Buuu?!
Crash Buuu!
É um nome invulgar.
Atchim!
Ai, que susto!

domingo, 25 de janeiro de 2015

Amor ortográfico: Eros tipo gráficos

Há falta de visão em Portugal.
Perdão.
Queria dizer revisão.
talfa de revisão em Portugal.
Eu pelo menos encontro gralhas a dar com um tau. E não é só em publicações diárias ou semanais. É em bons livros. De boas editoras. De boa gente. Que até estão bem escritos, bem traduzidos. É um apena. Eu pergunto-me: Porquê tantos eros tipo gráficos
Não se percebes. Eu pelo menos não percebo. Dá a ideia de que os livros são feitos à pressssa. Às três pancadas, numa língua de trapos. É estranho. Até porque há muita gente a tratar a língua portuguesa com dedicado amor e carinho. Onde nadam os revisores? 
Algumas gralhas voam rasteiras, é certo. Um gerúndio em vez de um particípio, por exemplo. Um erro irado sentando numa frase. Uma Maiúscula fora do sítio. Uma palavra a mais entra uma expressão. Por de exemplo um de. Ou palavras menos. Ou um acento aqui, uma virgula acolá, por vezes até falta um tonto final. 
Qual é o mal? Acontece. 
Mas certas gralhas são parovosas. São demasiado videntes. Palavras repetidas repetidas ouentãocoladas ou só esquisitas, porque não concordam em génera ou em números. O leitor fica com fuso, coitado. Não sabe se está perante um lapso ou um colapso. Fica com papas na língua. Ninguém leu o livro? Para quê publicá-lo?
Eu, pessoalmente, fico pelo cabelos. Já abondonei livros por causa das gralhas. Sinto-me uma namorada atraída
Bem sei que tenho o vício dos eros tipo gráficos
Li o aguardado Charlie Hebdo de lápis em punho e encontrei gralhas em franciú, a bem da liberdade de revisão. Sou doente.
Ainda assim, creio não estar a exagerar quando digo que há um desmalezo generalizado na edição em Portugal. Uma falta de brio e de exigência. É um problema sério. Há que apostar em bons revisores, em bons editores. É preciso apontar o dedo e calcar as gralhas. É a nossa língua. Cadê o amor à literapura?
Falta de revisão é falta de visão. É negligência. Não tem garça nenhuma.
Nós, leitores, devemos exigir mais e melhor. Eu cá tenho por hábito enviar emails aos editores. Aprendi com a minha avó, que telefonava às editoras para apontar erros. Normalmente recebo respostas. Por vezes até me agradecem, fazem-me promessas. Eu fico contente. 
Sempre é uma gralha a menos. Um erro corrigido. Uma lacuna colmatada.
Não é cosia pouca.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Um medo qualquer ao pescoço

Um medo qualquer ao pescoço.
Um sufoco que nem sequer é meu.
Um grito dentro da garganta.
Dentro das mãos.
Dentro do corpo.
O medo como uma trela.
Como uma gargatilha, como uma guilhotina.
O meu pescoço dentro do frio.
Dentro do cachecol.
Eu e o meu pescoço.
Um medo qualquer atravessado na garganta.
Entre a cabeça e as mãos.
Uma dor no pescoço quando leio, quando durmo, quando acordo.
Um nó na garganta muito antigo, que nem sequer é meu.
Um estrangulamento. Uma decapitação.
Perdemos qualquer coisa na semana passada.
Entre a cabeça e as mãos.
Um medo qualquer ao pescoço.