Saí de Portugal há 10 anos. Foi no dia 4 de novembro de 2004.
Tinha um bilhete de ida e volta, mas afinal não voltei. Emigrei para o inverno. Trazia comigo uma mala e uma cabeça cheia de coisas lá dentro.
Na Alemanha comecei a ler o que me apetecia e não o que me mandavam ler.
Comprei A Carta ao Pai numa livraria pequenina que vendia livros pequeninos.
Eu tropeçava na língua alemã e também na neve e no vinho quente. O meu primeiro gorro tinha trancinhas.
Os meus amigos alemães tinham convicções. Eu tinha cada vez mais dúvidas.
Eu vivia nas águas-furtadas de um prédio de esquina. A chuva fazia muito barulho contra a janela e eu escrevia longas cartas ao som da chuva. A minha escrivaninha abanava com a força da minha caneta. A minha caneta fazia barulho contra o mundo.
Quando vou a Portugal, regresso ao passado. O meu país é a casa dos meus pais.
Talvez por isso as minhas histórias morem na adolescência.
Em 10 anos, aprendi mais sobre mim do que sobre os outros. Sei cada vez mais sobre cada vez menos.
Uma década depois, continuo com saudades do meu país e da casa dos meus pais.
Eu gosto de ter saudades do meu país e da casa dos meus pais.
Gosto de ser um bicho estranho e sofredor.
Estou cada vez mais nostálgica. Cada vez mais portuguesa.