segunda-feira, 17 de março de 2025

Rosas e cravos no Luxemburgo

Apanho o comboio para Bruxelas em dia de greve dos comboios. Paciência. 

Apesar de tudo, estou com os trabalhadores ferroviários, ainda que o seu direito à greve prejudique o meu regresso a casa. Há que protestar contra a liberalização planeada dos caminhos-de-ferro belgas, contra o aumento da idade de reforma, contra o fim anunciado do estatuto de funcionário ferroviário. 


Não há democracia sem justiça social. Não há democracia sem negociação. Não há democracia sem equilíbrio de poderes. E na Bélgica (na Europa) vemos o que não temos visto nos Estados Unidos. As pessoas vão para a rua, protestam, fazem greve. 


Somos livres, apesar de não sermos livres. Foi também sobre isto que falamos nas escolas que visitei no Luxemburgo. 


Vocês são livres? Uns diziam «sim», outros «não». Como é que podemos dizer que somos livres se temos trabalhos de casa? Por que razão se diz que ir à escola é um direito quando é claramente uma obrigação? Porque é que existem tantas regras?


Uma proposta: Se estivéssemos completamente sozinhos, sem pais nem professores nem vizinhos, não teríamos de seguir tantas regras, certo? Mas será que seríamos mais felizes? Será que seríamos de facto mais livres? Nããão, diziam todos. 


O que significa ser livre afinal? Então diz-me lá uma coisa: Alguma vez te proibiram de rir? Alguma vez te ameaçaram por discordarem de ti? Alguma vez te impediram de aprender? Os teus pais já decidiram com quem vais casar? Risinhos, credo, que horror! Não, não, não e não. 


E então? Somos livres? Já tinhas pensado sobre isto? Para que serve a liberdade? Se ela é assim tão importante, por que razão não se fala dela? Será que vivemos num país onde a liberdade está tão presente que nem pensamos nela? Ou será que ela é tão pequenina, que ninguém a vê? Braços no ar. Sabiam todos a resposta.


Que flor simboliza a liberdade? Ai, como é que se chama a flor?, dizia um. É vermelha. Sim, sim, é vermelha.


Das sessões guardo o entusiasmo dos alunos. Os olhos escancarados, algumas mãos sempre no ar, às vezes apoiadas no outro braço, a resistirem. Queriam dar respostas, queriam fazer perguntas. A Matilde assim: «Nós vamos à escola para aprendermos e para termos melhores oportunidades no futuro e isso quer dizer que vamos ter melhores empregos, melhores condições e por isso vamos ser mais livres». Babum!


Também falamos das «coisas» que existem e das palavras que designam essas coisas. Sempre que possível resvalamos pelo surrealismo. Aquele verso da Gertrude Stein: «Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa».


O Ethan pediu-me para explicar aquela parte de a palavra rosa não ser uma rosa. «Na altura percebi, mas agora deixei de perceber».


A Matilde e o Enzo faziam perguntas à vez. Agora ela, agora ele. A Anita tinha respostas para tudo. Numa das sessões muito se falou das coisas que picam e cortam. Uma menina tinha-se cortado pouco antes com uma folha de papel. É que os livros também magoam.


Por que razão há coisas que abrem e fecham? Porque é que uma janela se abre? Porque é que um frigorífico tem porta? Porque é que os livros se fecham? Uma menina levantou o braço. «Os livros fecham-se para guardar as histórias, para elas não saírem».


Na sessão mais concorrida de todas (70 alunos numa sala e eu de microfone em punho), apercebemo-nos de que o objeto livro poderia estar em várias listas de coisas: as coisas que abrem e fecham, as coisas que picam e cortam, as coisas com coisas dentro.


Uma menina muito tímida quis dizer-me que na lista das coisas que abrem e fecham também deviam estar os olhos. Abri muito os olhos. «Tens razão!»


Recebi prendas a dar com pau. Trouxe para casa uma rosa de origami, um cartaz sobre a liberdade, uma caixa de chocolates a dizer «Merci», um postal com uma rosa desenhada com giz. Uma menina fez um bolo. A mãe dessa menina ofereceu-me uma rosa feita com a casca de um limão. 


Não vi o palácio do Grão-Duque, não visitei o museu de arte moderna, mas fui ao Festival das Migrações, desci no elevador panorâmico, abracei uma amiga, bebi um copo no centro.


Ao pequeno-almoço cruzei-me com a Tânia Ganho e com a Susana Amaro Velho, que também andaram pelo Festival das Migrações.


Depois de tanta conversa sobre rosas e cravos, reparei num cravo cor de rosa que decorava a nossa mesa de jantar. 


De resto, comi mesmo bem. Fui quase sempre servida por portugueses, que são os imigrantes cá do sítio e que, durante anos (décadas!) também foram «ilegais». Fazem hoje parte da paisagem luxemburguesa. Mais de 90 mil pessoas no Luxemburgo é de origem portuguesa. São a maior comunidade estrangeira.


Portugal mantém no Luxemburgo 29 professores de português que trabalham diariamente nesta importante missão de promover a língua de herança. Conheci uns quantos. A Carmen, o Renato, a Isabel, a Angelina, a Fátima, a Cátia, a Teresa, a Sílvia, a Daniela, e outros ainda. Obrigada a todos eles e obrigada a Mónica Bastos, que tem em mãos a coordenação do ensino de português no Benelux e que me fez este convite.


Há muito trabalho a fazer. A esmagadora maioria dos alunos lusodescendentes fala 4 línguas, mas não chega a frequentar o ensino superior. É preciso continuar a batalhar, a debelar estereótipos, a combater a discriminação, a motivar alunos, pais, educadores.


Adoro fazer parte deste esforço. Pela língua. Pela aprendizagem. Pela liberdade! 


Chego a Bruxelas à hora prevista. Os trabalhadores fazem greve, mas os comboios funcionam na mesma. Parece que o direito à greve não prevalece sobre o interesse público. Mas isso agora é outra conversa.


Seguem-se algumas fotografias desta passagem pelo Luxemburgo.


















sexta-feira, 14 de março de 2025

Festival das Migrações, Culturas e Cidadania

Vou no comboio a caminho do Luxemburgo, cidade onde fui tão feliz, tão sonhadora e tão nova.

Hoje e amanhã andarei pelas escolas a falar com os alunos de português. E no domingo há 2 sessões pour le grand public no Salão do Livro.

Por ocasião do «Festival das Migrações, Culturas e Cidadania», vamos falar, entre outras coisas, de liberdade. Ui ui!

Levo livros. 

E postais.








sábado, 8 de março de 2025

Com paus, conchas e pedras

No hemisfério norte, tudo muda. Mas enquanto umas coisas mudam de repente, outras avançam pé ante pé. No momento em que o multilateralismo acaba de forma quase abrupta, a primavera pousa devagar nos telhados.

Os chefes do mundo não ignoram os benefícios da meia-estação. Nada podem contra o pólen e as alergias, claro, mas em geral é mais prudente travar a guerra em dias longos e amenos. 

Por outro lado, os chefes do mundo também estão cientes de que, quando os pássaros piam mais alto, é francamente mais fácil ter esperança. Já se sabe que a primavera é propícia a motins e revoluções. A tirania depende menos dos opressores do que dos oprimidos.

No outro dia, dancei como uma louca no concerto do Branko, onde também estava Dino d’Santiago. Há anos que não dançava tanto, que não ria tanto, que não gritava tanto, os cabelos colados à nuca. 

Aquela música como um mantra: “Vai dar tudo certo, vai dar tudo certo, vai dar tudo certo.”

Na semana passada aterrei em Lisboa e indignei-me um pouco com a barafunda de carros e luzes, não tanto por causa do trânsito, mas pela constatação óbvia de que a cidade vive bem sem mim. Há uns dias sublinhei duas frases da Leila Slimani que têm alguma coisa que ver com isto. No fundo ainda quero pertencer à cidade. Ainda quero que a cidade me queira.

Ouvi na rádio o novo single da Capicua. Dizia assim: “Por cada grunho, um punho em sentido contrário”. Aumentei o volume, cantei também. Eu ainda quero mudar o mundo.

O meu filho pede para ir à praia. Sim, sim, havemos de ir, disse-lhe eu, e depois expliquei-lhe que não podíamos mergulhar na água. Ele esclarece que quer “apanhar paus, conchas e pedras para construir uma casa muito grande”. Levo-o então a apanhar paus, conchas e pedras, e deixo-o trazer a sua colheita para casa. 

De regresso a Bruxelas, o meu filho pega na pasta de modelagem e apressa-se a construir uma casa muito pequenina, que rodeia de paus, conchas e pedras.

Entretanto, ainda no hemisfério norte, há edições estrangeiras dos meus livros. Um chegou à Turquia, outro à Catalunha, outro à Grécia. O título da karateca em catalão é qualquer coisa. Não percebo nenhum destes idiomas e isso emociona-me.

Não vai ser fácil atravessar estes tempos. Lemos a palavra “defesa” demasiadas vezes por dia e, enquanto os países se enchem de tanques e explosivos, vamos nós ficando sem defesas. Andamos todos doentes, cansados, stressados, distraídos.

Apesar disso - ou talvez por isso -, rego mais vezes as plantas, seguro a porta para os vizinhos, abraço os meus pais com mais força, esforço-me a fazer o jantar, vou a concertos, leio, escrevo. Por outras palavras, renuncio ao desespero. Por outras palavras, alimento ativamente o otimismo.

Aquele mantra cá dentro: Vai dar tudo certo. Vai dar tudo certo. Vai dar tudo certo.

Mais do que nunca, precisamos do nosso punho, da nossa presença, do nosso riso. Não podemos acabar com o sofrimento. Isso é certo e sabido. Mas podemos continuar a construir. 

Com paus, conchas e pedras. 

Com espírito de missão. 

Com esperança.









quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Argumento, menção honrosa e transição para noite






Há uns anos comecei a tentar escrever argumento para banda desenhada. Logo na primeira tentativa percebi que não ia ser pera doce. 


Nunca fui estruturada nem sintética. Ainda hoje não sei dividir cenas por páginas, não percebo nada de vinhetas. Ainda assim, tento. 


Em certos momentos, quando tenho de mudar a sequência das cenas, ando para ali a desenhar setas e asteriscos, e sinto uma pressão na cabeça, como se estivesse prestes a explodir.


Hoje em dia, se por alguma razão, volto a ler parte dos meus argumentos, tenho vontade de rir.


Quando escrevi o Mar Negro, o Bernardo bem que se queixou. O texto era longo e demasiado descritivo, dizia ele. Tinha razão, claro, mas eu não conseguia ajudá-lo. O argumento incluía descrições deste tipo: “Inês abre gaveta, saca faca do pão e tábua do pão. Tira pão saloio de um saco, corta fatias. Põe duas fatias na torradeira. Abre frigorífico, tira manteiga, queijo e fiambre fatiado.”💤🥱


Ao longo do processo fui deixando espaço para o Bernardo fazer o que quisesse, mas até essas minhas indicações de liberdade eram extensas e mesmo nada libertadoras. Veja-se este exemplo: “Transição para noite, talvez Inês a fechar os estores ou prédio visto de fora no escuro. Uma sugestão qualquer de que já é de noite.” 


Credo! Apercebo-me agora de que podia ter escrito apenas as três palavras iniciais: “Transição para noite.” Ou só mesmo: “Noite.” Duh!


Resultado: o Bernardo andou com o Mar Negro ao colo durante um ano, desenhou que se fartou, ficou com uma tendinite e a novela virou um calhamaço.


Na reta final decidimos que tínhamos de encurtar o livro. Certo dia, juntámo-nos os três - eu, o Bernardo e a Isabel - e passamos mais de três horas a riscar diálogos, desenhos, duplas inteiras. Antes de darmos esse golpe, tirei uma fotografia a estes meus dois companheiros. Adoro a Isabel. Adoro o Bernardo. Adoro o Planeta Tangerina. E adoro esta nossa banda desenhada, não pensem!


O Mar Negro entrou na gráfica uns meses depois. Tinha (tem!) 320 páginas. Entretanto já saiu na Turquia (!) e em breve sairá a edição francesa (oh là là !).


Ora, há coisa de uma semana fiquei a saber que este nosso Mar Negro recebeu uma menção honrosa no Prémio Jorge Magalhães para Argumento de Banda Desenhada. Na notícia dizia que a menção tinha sido atribuída à minha pessoa, mas como se vê, o argumento não é só meu. É nosso!


Nesta altura do campeonato, o reconhecimento faz-nos bem. Já estou aqui cheia de vontade de tentar outra vez, de aprender mais, de fazer melhor. É que entretanto estamos todos mais crescidos e já aprendemos umas coisas. 


Nos últimos tempos, tanto no que toca à banda desenhada como no que toca à vida, tenho vindo a apreciar precisamente a concisão e também o silêncio, embora este texto não seja exemplo disso.


Seguem-se as legendas das cinco fotografias que acompanham este texto: a capa do Mar Negro, uma das duplas (que contém a tal “transição para noite”🙄), a foto da Isabel e do Bernardo antes do golpe, a maqueta do livro durante o golpe e uma selfie minha no dia em que o Mar Negro me chegou às mãos.


🏆O Prémio Jorge Magalhães para Argumento de Banda Desenhada - “o prémio a sério” - foi atribuído ao Mangusto da Joana Mosi. É um livro muito fixe. Sou fã da Joana Mosi. Se puderem e quiserem, assinem a newsletter dela. É só pérolas!



quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Crescer, viver, mergulhar e nadar


Tem natação ao domingo à tarde. Saímos de casa com tempo, mas ele apressa-se. “Não quero chegar atrasado.” Leva às costas a sua mochila vermelha onde traz uns óculos de mergulho, os calções dos tubarõezinhos, uma toalha, uma touca vermelha e umas crocs azuis. “Natação é o que eu mais gosto.”

O balneário está cheio de gente. Ajudo-o a despir a roupa e a vestir os calções dos tubarõezinhos. O professor abre a porta do balneário e chama os meninos pelo nome. Ele vai para a piscina e eu subo as escadas, fico a vê-lo lá de cima.

Ainda não sabe nadar, mas não deve faltar muito. Salta para a água, ri-se, pula, mergulha. De vez em quando só lhe vejo as pernas e depois não vejo nada e depois vejo a touca vermelha e os braços.

Faz meia piscina com a ajuda do professor. Bate os pés com entusiasmo. É ágil e rápido. Volta para trás. Chega à borda da piscina sem fôlego. Procura-me com os olhos. Encontra-me. Eu aceno, ele acena. “Estou aqui”, diz a mão dele no ar. “Estou aqui”, diz a minha mão. Estamos aqui. Ficamos a acenar mais tempo do que o habitual. Ele sempre a rir e aos pulos. 

Guardo esta imagem na cabeça: este meu filho na piscina, a sua touca vermelha, a alegria dele a salpicar tudo, a saltar cá para fora, a alegria como uma salamandra, como um crocodilo, como um desses animais que vivem dentro e fora de água.

Registo a euforia do meu filho e também registo a minha angústia, que é a angústia de todas as mães. O medo indizível de tudo o que está por vir: tristeza, humilhação, sofrimento, desilusão. E a certeza de que vamos falhar, de que já estamos a falhar. Apesar de levantarmos a mão e acenarmos, apesar de estarmos aqui.

Encontramo-nos no balneário. Ele enrola-se na toalha, cheio de frio, os olhos enormes, admirados, vermelhos. “Viste que eu mergulhei e toquei com a mão no fundo da piscina? Como é que eu fiz aquilo? Eu estava a imaginar que eu era uma baleia e mergulhava assim fundo.” Interrompo-o. “As tuas crocs?” Ele fica a pensar. “Esqueci-me.” Corre até à piscina para ir buscar as crocs. Regressa logo a seguir com elas nos pés. “Eu sou o pior.” Explico-lhe que ninguém é pior nem melhor por se esquecer de umas crocs. Sempre este medo de falharmos, de não estarmos à altura.

Vamos à zona dos secadores de cabelo. Ele vai pelo corredor a trautear e a assobiar. Ainda me quer dar a mão. Enquanto seca o cabelo, faz caretas ao espelho. Quando saímos do balneário, apercebo-me de que deixei o telemóvel lá em cima. Ele fica admirado. “Também te esqueceste!” “Pois foi!” “Não faz mal.” “Pois não.”

Subimos as escadas em direção à saída. Ele ri-se. “Mamã, hoje é o dia de perder. Eu perdi as crocs, tu perdeste o telemóvel. É o dia da piscina perdida.” Digo-lhe que é um bom título para uma história. Ele fica contente.

No regresso a casa vamos pelo parque, onde há passagens secretas entre as árvores. Caminha decidido à minha frente, por cima das folhas, por baixo dos ramos, por entre as árvores. A mochila vermelha às costas, as mãos nos bolsos. Vira-se para trás para ver se consigo passar por baixo de certos ramos. A dada altura não encontramos logo o trilho certo. Mas depois passamos por cima de um tronco, escorregamos no musgo e reencontramos o nosso caminho. “Ufa!”

Quando chegarmos a casa, vai querer brincar com a pista de comboios ou fazer um desenho ou uma construção de legos. 

Faz hoje 7 anos. Às vezes parece mais velho. Às vezes parece mais pequeno. Não me chama durante a noite mas fala-me de pesadelos.

No fundo e à superfície, o medo das mães não é diferente do medo dos filhos. Este eterno medo tubarãozinho de nos perdermos, o medo do escuro, do falhanço, do desconhecido, da morte, do abandono, da solidão. 

Talvez crescer, viver, mergulhar e nadar se resuma a isto: por mais que queiramos controlar o nosso destino, sabemos que controlamos muito pouco.

Ai de quem se meta com este meu filho, digo-vos. Ai de quem lhe faça mal, de quem o desiluda, de quem o parta. Rebento-lhe a boca. 

O amor das mães e dos filhos também é isto. Um mergulho muito baleia num mar feito de afeto, medo e escuridão.


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Nuvens







 - Vou fazer um bolo de mármore.

- O que é mármore?

- É uma rocha.

- Vais fazer bolo de rocha?

- Mais ou menos.


Os mais novos entusiasmam-se, querem ajudar. Pesamos a farinha e o açúcar, partimos os ovos. 


- E agora atenção -, digo-lhes eu, - as claras vão transformar-se numa nuvem.

Um deles muito atento, o outro impaciente. - Demora muito tempo, mamã.


No fim, as claras transformam-se numa nuvem. 

- Magia! 


Um deles feliz, o outro desiludido. 

- Isso não é uma nuvem, mamã. 

- Ai não? Então as nuvens não são brancas e fofinhas? 

- As nuvens não são brancas, são pretas.

O outro minorca: 

- Também podem ser brancas.

O irmão insiste: - São pretas!


Coitados dos meus filhos. Tiro uma fotografia às nuvens pretas lá fora e vou à cloud (outra nuvem!) procurar imagens de nuvens brancas. 


Nessa pesquisa encontro a tisana 87 da Ana Hatherly, que fala de “uma paisagem onde nunca havia nuvens”. 


E encontro também uma foto de um livro meu, onde me deparo novamente com esta pergunta: “Para que serve uma nuvem?”. 


Não tiro fotografias ao bolo, que desenformo e polvilho com açúcar em pó. Estava leve e fofo. Parecia uma nuvem e não uma rocha, para grande desilusão das crianças. 


A infância não acaba. Cresce. Tal como os bolos. E as nuvens. E o musgo. E as claras em castelo. E a escuridão.