“Este gelado parece uma rosa a nascer”, disse ele.
De seguida, feliz com a sua frase, deu mais umas lambidelas no seu gelado feito rosa, até que desistiu dele e passou-o para a minha mão. “Não quero mais”, disse ele.
Eu fiquei a observar o gelado a derreter muito rápido, o meu filho a crescer muito rápido. Às tantas lembrei-me daquele poema do António José Forte que começa assim. “Um dia uma rosa nasceu na tromba de um elefante”.
Depois pensei, por exemplo, na rosa absolutamente branca que captei no outro dia, primeiro com o olhar e depois com a lente do telemóvel. Uma rosa tão perfeita que parecia mentira e talvez fosse realmente mentira aldrabice ficção.
Depois pensei naqueles assuntos de sempre: que as coisas se transformam noutras coisas, que os filhos se transformam em poemas, que tudo cresce corre morre derrete, que mesmo assim as rosas continuam a nascer e são tão belas tristes banais e tão perfeitas que parecem mentira.
Que se lixem as rosas os gelados os filhos e os poemas, pensei eu de repente cansada de qualquer coisa, zangada com a delicadeza das rosas e da poesia.
Depois olhei para o gelado cada vez mais mole.
E depois, enfim, comi-o.