sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

2021


Li finalmente O Ano do Pensamento Mágico, de Joan Didion. Começa assim: “A vida muda num instante. Sentamo-nos para jantar e a vida, como a conhecemos, acaba.”


A Joan Didion morreu na véspera da véspera de Natal. O João Paulo Cotrim morreu três dias depois. Não conheci a Joan nem o João, mas senti um pasmo cardíaco quando soube da morte de ambos.


Há uns meses apareceu um caracol numa alface cá em casa. Era um caracol muito pequenino. Fui mostrá-lo às crianças. O mais velho matou-o sem querer.


Reli a Mrs Dalloway e reli também As Horas. Aproveitei para rever também o filme. Fui então um pouco mais longe, e já agora, li o guião de cinema. Foi um exercício intrincado porque uma mulher real é personagem num livro onde uma outra personagem lê o livro que a mulher real escreveu. 


As Horas começam com a famosa carta que Virginia Woolf escreveu ao marido no dia em que se suicidou. A carta acaba assim: “Não acredito que duas pessoas pudessem ter sido mais felizes do que nós fomos”.


Não foi um ano lá muito feliz. Chorei algumas vezes. Não me ri muito. Mas por acaso no outro dia tive um ataque de riso que me tirou o fôlego.


Aconteceram coisas estranhas.

A invasão do Capitólio. Aquele navio encalhado algures no Egito. O voo da Ryan Air desviado para a Bielorrússia. Aquela louca que me seguiu até casa. As cheias na Alemanha e na Bélgica. A quantidade de roupa que já não me serve. A quantidade de pessoas que se foi embora de Bruxelas. Grandes amigos do peito. Os vizinhos do lado. O menino da creche. Um amigo do mais velho. 


Puxa. Parem lá de zarpar.


Perdi muito cabelo. Perdi umas luvas pretas. Fui multada por excesso de velocidade. Aprendi a letra de algumas canções tradicionais. A minha favorita é aquela assim: “Indo eu, indo eu, a caminho de Viseu”.


Demos muita coisa das crianças. Uma banheira, um carrinho, dois berços, muita roupa. Passamos férias em Portugal. Passamos duas noites no hospital.


Nevou em fevereiro. Nevou em abril. Nevou em novembro. Nevou em dezembro. Ainda não tenho um bom calçado para a neve.


Nasceu a Lua. A Salomé. A Sara.


Cortei um dedo a abrir uma lata de feijão. Cortei um dedo a abrir uma lata de atum. Cortei um dedo a ralar couve-flor. Foi sempre o mesmo dedo.


Senti-me muitas vezes exausta. Senti-me muitas vezes sozinha. 


Ainda assim, tentei fazer o que esperavam de mim. Tomei as vitaminas. Tomei a vacina. Cortei o cabelo. Lavei os dentes. Separei o lixo. Comprei finalmente um desodorizante. Montei a árvore de Natal.


O mais velho pede-me beijinhos. Os mais pequenos dão-me grandes abraços. Ainda me acontece olhar para o meu marido e sentir um sobressalto. É do caneco.


Em 2022 espero que o bicho amaine e que nos deixe rir um bocado. Rir mesmo. À toa. Às gargalhadas. Sem medo. Sem pudor. Sem máscara.


Esta vida anda tão séria. Arre.


Bom ano, malta!


quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Estantes, livros, nomes, letras


 20 coisas que me ocorreram enquanto reorganizava uma das estantes de livros lá em casa:

1. Há muitos escritores lusófonos com apelidos a começar por A. Jorge Amado, Lobo Antunes, Germano Almeida, Ricardo Adolfo, Djaimilia Pereira de Almeida, Bruno Vieira Amaral.

2. O mesmo com C e P. Couto, Campilho, Cardoso, Cruz, Carvalho, Pessoa, Peixoto, Portela, Pereira, Pires.

3. Há letras sem ninguém. No J só tenho a Lídia Jorge.

4. Há escritores que tratamos pelo nome próprio e outros que tratamos pelo apelido. Mia, Agustina, Camilo, Sophia. Pessoa, Saramago, Camões, Agualusa.

5. A Agustina deve ter sido sempre a número 1 da turma. Devia ser a primeira a ser chamada ao quadro, a primeira a receber as notas. 

6. Não é fácil vir em primeiro mas também não é fácil vir em último.

7. Por exemplo, o Zink deve estar no finalzinho de muitas estantes de livros. “A instalação do medo” enfiada a um canto, na fila de baixo. Parece uma conspiração do próprio livro.

8. Tenho bastantes livros do Valter Hugo Mãe. Li-os quase todos. 

9. Tenho bastantes livros do Gonçalo M Tavares. Não li a maior parte. 

10. É preciso um certo lirismo para ler Valter Hugo Mãe. 

11. É preciso uma certa dureza para ler Gonçalo M Tavares. 

12. Sou bastante lírica.

13. Sou bastante mole.

14. A maior parte dos livros canónicos sobre escrita foram escritos por homens. James Wood, Ray Bradbury, David Lodge, John Gardner, Murakami, Cortázar, Rilke, Vargas Llosa.

15. Ou as mulheres escritoras não percebem muito do ofício ou não têm por hábito dar palpites. Ou até dão, mas ninguém lhes liga nenhuma.

16. Há livros que procuro muitas vezes nas estantes e nunca encontro.

17. Criei uma secção de livros muito procurados. Agora hei de encontrá-los sempre.

18. Exemplos de livros muito procurados e quase nunca encontrados: As tisanas da Ana Hatherly, a Poética de Aristóteles, os cadernos do Camus, todos os livros que o Sendak ilustrou com textos da Ruth Krauss.

19. Um destes livros da parelha Krauss e Sendak chama-se “Uma cova é para escavar”. Desconfio que o próprio livro ande a escavar covas nas estantes para não ser encontrado.

20. Exemplos de frases muito procuradas neste livro: “Uma cara é para fazer caretas.” “Uma porta é para abrir.” “Um livro é para ser lido.”


quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Prémio Jorge Magalhães de Argumento para Banda Desenhada 2021

Eish! Estou assim uma baita jubilosa!

O “Desvio” recebeu uma menção honrosa na edição de 2021 do Prémio Jorge Magalhães de Argumento para Banda Desenhada, que vem homenagear o trabalho de Jorge Magalhães e apoiar os insensatos que escrevem banda desenhada.

O júri contou com uns pesos bem pesados e o vencedor foi a estrela Filipe Melo.

Obrigada, obrigada, obrigada!

https://www.aladoslivros.com/index.php/premio-jm?fbclid=IwAR109WM24TTR5OXiE-4rcJQA3OWAAL5w7oX64bNwixfngyY8XBS1lo7h8wg