Acudam-me: escrevi um poema. É um poema relativamente longo, especialmente para quem não percebe nada de versos.
Nunca antes tinha escrito um poema, acho. Nem mesmo na adolescência.
Pouco me dedico a pensar na questão arcaica da prosa e poesia, mas se um dia a literatura virar desporto, eu serei sempre da equipa prosa. Adoro intrigas. Adoro histórias, diálogos, personagens. Não sei partir frases aos bocados, não sei dizer mais do que quero dizer. Escrevo sem rima, sem voo, sem pausas.
Talvez seja uma questão de personalidade, sei lá eu. Na vida, como na escrita, sou bastante terra a terra. Esforço-me por dizer o que quero dizer, sem abstrações, sem subtilezas, sem artifícios.
Não tenho metafísica basicamente. Sou até um bocado bronca. Rio-me alto. Falo de boca cheia. Nunca me penteio. Sou prosaica na expressão e nos trejeitos.
Acresce a isto que não sei viver nem escrever sem enredo. A passagem do tempo mexe comigo: primavera, verão, outono, inverno; um mês, um ano, uma década; as coisas que surgem e as que desaparecem. Tudo o que vamos construindo, tudo o que se vai desmoronando, a maneira como as coisas nos afetam e transformam.
Apetece-me mais escrever sobre a atuação do tempo do que sobre a espuma das ondas ou o raio de sol a pousar na esquina, por exemplo. Talvez por isso me tenha sempre esquivado à poesia.
Interessa-me mais narrar do que focalizar. Interessa-me mais captar um movimento lento do que um momento propriamente dito.
Claro que a poesia não fala só de revelações momentâneas. E também não tem de ser complicada nem sentimentaloide. Há poemas claros como água, coloquiais, explícitos, resolutos. Os melhores poemas (e poetas) olham-nos de frente e conseguem ser bastante bruscos, viram-nos do avesso, deixam-nos assim em carne viva, com os ossos de fora. Não andam com pezinhos de lã, não recorrem a artimanhas nem a subterfúgios. E há poemas deveras prosaicos, claro, assim como há prosa bastante poética. E o que dizer das epopeias, que são verdadeiros romances em verso?
Seja como for, há algo fundamental que distingue a poesia. Uma certa disposição anímica para a dor, para a reflexão, para a ternura. Uma atenção ao mais ínfimo pormenor.
E há ainda a questão formal. A poesia, apesar de comunicar, regra geral, em verso, é um lirismo de liberdade gramatical. Aprecio bastante o regabofe sintático, semântico e fonológico da composição em verso, mas eu cá sou bastante convencional numas coisas. Gosto da ortografia, da pontuação, da sintaxe. Não sei viver nem escrever sem estrutura. Cabeça, tronco e membros. Princípio, meio e fim. Sujeito, verbo e objeto. Sou grande adepta de frases longas também, que vão da esquerda para a direita e seguem por ali fora a ziguezaguear pela página, cheias de vírgulas e complementos. Tudo isto para dizer que não tenho temperamento de poeta.
Mas eis se não quando se levantou uma nortada na minha afetividade e eu me pus a escrever um poema. É o que ando a fazer há meses: a tricotar um poema.
Descubro agora na vida e na escrita que nem sempre é possível narrar. Nem sempre o enredo cativa. Por vezes o que importa é só mesmo o silêncio para captar, na melhor das hipóteses, um instante: um raio de sol, uma nuvem, a espuma das ondas.
Vai daí escrevi um poema com centenas de versos e olhem que gosto dele como se gosta de um filho. Talvez porque ele fale disso mesmo: de parir um filho; de ser mamífera, mulher, mãe. Ainda assim, é um poema cheio de intriga que também inclui diálogos.
Espero que o encontrem um dia. Foi para isso que o escrevi: para que fosse encontrado.
Será publicado em breve sob a forma de caderno poético, e mais não digo.
Estou para aqui a cintilar de entusiasmo e angústia, como convém aos autores mais inseguros e a qualquer mãezinha que se preze.