terça-feira, 31 de dezembro de 2019

2019


Último dia do ano. Oito da manhã: o sol ainda não nasceu.
Vou à cozinha tirar um café.
Um corvo pousa na varanda. É grande e negro e macabro. Igualzinho a estas noites de inverno.
Olho para o corvo e penso neste ano velho. 
Sempre aquele sentimento de perda, qualquer coisa que acaba.
Estou tão mal das costas. Estou tão mal da saudade. 
Há oito meses que não vou a Portugal. 
O corvo salta do parapeito. Vai à vida dele. Este ano também.
2019
Um ano comprido a dar com pau. Comecei o ano grávida. Acabo o ano balofa. Engordei 20 quilos, perdi 10.
A casa cheia de bebés. Biberões por todo o lado.
O meu pai fez 70 anos. A minha mãe também.
Brexit. Moçambique. Notre Dame.
Renovei o cartão do cidadão. 
Não dei um único mergulho no mar. Não fui uma única vez ao cinema.
Eleições europeias. Eleições legislativas.
Pessoas zangadas. Milhares de pessoas nas ruas.
Aqui, no Irão, na Colômbia. Hong Kong. Chile. Argélia.
Perdi o cartão multibanco. Perdi o passe. Perdi uma caneta muito fixe. Perdi um avião. Perdi a voz. 
Parti os óculos. 
Andei na roda gigante com os meus sobrinhos.
Boris Johnson. Greta Thumberg.
Cortaram-me a barriga. Os gémeos nasceram.
Uma amiga escreveu um livro lindo. 
Uma amiga ligou-me ontem para me dar uma boa nova. Até andei de lado.
Amazónia. Lula. Bolsonaro.
Comprámos um puf, dois berços, um armário. 
Mudámos de operadora. Mudámos a disposição da sala. A creche mudou de morada.
Fiz um curso de primeiros socorros. Fiz as minhas primeiras palavras cruzadas.
Li Georges Perec. Álvaro de Campos. Sylvia Plath. Adrienne Rich.
O Tuca morreu. O Rui Gonçalves também.
Pensei sobre isto e aquilo. Senti assim ou assado.
João Gilberto. José Mário Branco.
Tive muito calor no verão. Tive muito frio no outono.
Fui a Pontevedra. Conheci pessoas altamente. 
Eva Mejuto. Dora Batalim. 
Henrique Rodrigues. Ana Biscaia.
A família toda em Bruxelas. Várias vezes. Primeiro os meus pais, depois os meus sogros. Depois a Sara e o Manuel. Depois o meu irmão com a Rita e os meus sobrinhos. Depois os meus sogros outra vez. Depois novamente o meu irmão, a Rita e os meus sobrinhos. Depois os meus sogros. Depois a Sara, o João e o Manuel.
Análises de sangue. Noites em branco. Casas abandonadas.
A sensação de que existo aos bocados. Penso aos bocados. Durmo aos bocados.
A esperança de que venha a juntar todos os bocados de mim própria. A esperança de um dia existir plenamente.
Talvez para o ano. Talvez em 2020. Talvez já amanhã.
Aí vêm eles: os anos 20 do século XXI. 
Os anos loucos.
Gosto cada vez mais disto. Deste inverno. Desta varanda.
Bruxelas, o meu bairro, a minha casa.
O meu café, a minha janela, o meu caderno. O meu marido, os meus filhos, o meu cansaço.
Bebo o café sem leite nem açúcar. A minha vida aos bocados. 
O sol nasce.
Aqui é um bom lugar.

Ilustração da Joana Estrela para o “Aqui é um bom lugar”

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

O Expresso é um bom lugar!

Como já vem sendo tradição, os críticos do Expresso escolheram os melhores livros, discos, filmes, séries, peças de teatro, dança e exposições de 2019. Sara Figueiredo Costa, que tem a cargo a ilustração e a banda desenhada, considera o diário gráfico “Aqui é um bom lugar” um dos livros de 2019. Muita nice!




sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

25 livros para o dia 25 de dezembro

A Ana Dias Ferreira (Observador) selecionou 25 livros infantis para o dia 25 de dezembro.
Eu e a Yara lá estamos, todas bruxa ou fada, tudo ou nada.

https://observador.pt/2019/12/19/25-livros-infantis-para-dia-25-de-dezembro/