Nove da manhã em Bruxelas.
Ameaça séria e iminente. Tenho os olhos pesados. A Elena Ferrante tira-me o
sono.
E agora? Saio de casa ou
não saio de casa?
Troca de mensagens com
amigos e colegas. Uns vão trabalhar. Outros ficam em casa. Outros trabalham a
partir de casa.
A formação de formadores
foi cancelada. Ainda bem. Não me apetecia nada.
O meu calendário diz-me
que hoje é o meu dia de tirar sangue. Like.
Lá fora estão dois graus
centígrados. Sirenes da polícia ao longe e ao perto.
Comi pão duro. A culpa é
minha. Ficou fora do saco a noite inteira.
Atrás das casas, um
pequeno sol à espreita.
É um bom dia para tirar
sangue. Escolho cores neutras para não dar nas vistas. Estou disfarçada de
pessoa normal.
Saio de casa. Pouca gente
na rua.
Algumas pessoas nos
cafés. Duas moças fumam à porta de um escritório. Riem-se. Um homem passa com
um carrinho de bebé. Afinal são dois bebés. Estão contentes. Batem palminhas.
Sinto frio nas mãos.
Esqueci-me das luvas.
E agora? Sigo caminho ou
volto para trás?
Um homem entra num carro
e topa-me. Eu topo-o. Um rapaz de capuz passa por mim, eu passo por ele. Aqueço
as mãos uma na outra, sigo caminho.
No café de esquina,
algumas pessoas estão coladas aos vidros. A ver as vistas. Um senhor de idade
lava o chão de um prédio. Pára de lavar o chão para me ver passar. Um camião de
portas escancaradas. Caixotes de comida, parece.
A escola secundária está
fechada. Melhor assim. No bar esquisito da rue du Viaduc os mesmos homens com ar
de marinheiros tristes.
Sinal vermelho para os
peões. Eu espero. Uma rapariga do lado de lá também espera. Lançamos olhares
feios uma à outra. As pessoas rodam a cabeça para acompanhar certos sons e movimentos.
Por exemplo, um elétrico que passa. Um carro da polícia. Um cão a ladrar. Uma
bicicleta.
Os guindastes estão
paradotes. Hoje não há obras.
Um homem vem na minha
direção a cambalear. Parece-me indiano. Aproxima-se de mim. Está bêbedo. Pergunta-me
baixinho se tenho lume. A pergunta dá-me vontade de rir.
As árvores estão bonitas.
Folhas amarelas.
Venho a ouvir Sunny Road
e estou precisamente numa sunny road. Completamente vazia. A rua.
Eu também estou vazia.
O sol pousa devagar nas janelas. Gelo e sol nas janelas. Tiro uma fotografia ao cenário.
Eu também estou vazia.
O sol pousa devagar nas janelas. Gelo e sol nas janelas. Tiro uma fotografia ao cenário.
Em frente ao Parlamento
Europeu estão quatro militares armados ao pingarelho. Muito quietos e
concentrados. Um deles ergue-me as sobrancelhas. Parece-me satisfeito com a
vida.
Não há nada como ter uma
metralhadora na mão.
O sol fica por cá o dia
todo.
É um sol esperançado. Europeu.
Antiterrorista.